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Pais e namorados são os motivadores, mas preconceito no boxe segue

Maurício Dehò<br>Em São Paulo (SP)

01/10/2008 08h15

Não tem jeito. Após alguns golpes sofridos, o rosto fica marcado. Devido aos treinos, os músculos são definidos e, durante eles, a companhia é predominantemente masculina. As integrantes da seleção que vão a Trinidad e Tobago para o Pan-Americano admitem: o preconceito ainda é grande quando se fala em boxe feminino. O curioso é que são justamente os homens os principais responsáveis por influenciarem as mulheres a entrarem no esporte.

Para a paraense Taynna Cardoso, foi o pai e, mais recentemente, o namorado Everton Lopes, da seleção masculina. Treinador da modalidade em Belém, Luís cansou de levar a garotinha para treinos e eventos. "Ele me treina desde que tinha uns oito anos. Mas foi aos quinze que comecei a competir", afirmou ela, que aos 19 anos é tricampeã brasileira. Luis fará parte da delegação como técnico.

"Meu pai trabalhava com muitas crianças, chegou a ter 50, e como tinha meninas, eu entrei como uma brincadeira. Nunca imaginei que viria para São Paulo e teria os títulos que tenho", disse ela, que trocou o Pará pela capital paulista e estuda Educação Física.

Hoje, a família completa está dentro do boxe. Há cerca de cinco meses ela namora o baiano Everton Lopes, de 20 anos, que foi com a seleção brasileira a Pequim, mas perdeu na primeira rodada. O pugilista virou ídolo. "Ele foi para as Olimpíadas e minha paixão aumentou ainda mais. Quero ir até onde ele chegou e até mais. Vou passar o Everton", derreteu-se Taynna.

A rivalidade entre baianos e paraenses, comum no boxe, está presente no relacionamento. "No Campeonato Brasileiro é um para um lado e outro para o outro", disse ela. Mas Everton, que tirou uma semana de férias da seleção para ser sparring da paraense, já está na torcida. "A Taynna tem um potencial esplêndido e vou ficar acompanhando o resultado pela Internet. Vai ser uma alegria muito grande se ela ganhar o ouro, o que eu não consegui", afirmou o baiano, já pintando a imagem do pódio em sua cabeça.

Amor e ódio
A paixão pelo boxe não costuma ser à primeira vista. Pelo menos para duas paulistas da seleção, que se prepararam em São Paulo. Roseli Amaral, da categoria 75 kg, não via com bons olhos a modalidade. No entanto, hoje o boxe é sua carreira.

MASCULINO INICIA CICLO
Enquanto a seleção feminina de boxe viaja com time completo para o Pan-Americano da modalidade, a masculina inicia seu novo ciclo olímpico. Após ficar a uma vitória de uma medalha, em Pequim, com dois lutadores, equipe começa a preparação para Londres-2012. O Brasil disputa até o dia 8 deste mês a Copa do Pacífico, mas não será representado pelos pugilistas que foram aos Jogos Olímpicos de Pequim. Viajam quatro lutadores: Eduardo Pereira (64 kg), Esquiva Falcão (69 kg), Yamaguchi Falcão (75 kg) e Hamilton Ventura (81 kg).
"Sinceramente, eu não gostava", admite ela, que foi a primeira pupila de Claudio Abreu como técnico. "Entrei na academia para perder peso. Eu peguei gosto e, para ficar apanhando na cara, só se tiver paixão mesmo".

Mais vaidosa do time, sempre com uma faixa na cabeça prendendo os cabelos, Roseli lembra de cara a única estrela do boxe brasileiro, Duda Yankovich. Loira e forte, como a sérvia radicada no Brasil, ela descarta a comparação e lembra que nem todos apóiam o boxe feminino.

"Hoje tem um pouco de preconceito sim. Principalmente dos homens, que nos vêem como um bicho de sete cabeças", admite a fã de Evander Holyfield, que à noite troca o ringue pela sala de aula, na faculdade de Educação Física. "Os próprios dirigentes têm preconceito, porque o boxe ainda não é olímpico. Esperamos que vire em 2012."

Elisângela Souza (54 kg) também já sofreu. "Já me chamaram de 'Maria-Homem', mas não me importo. Hoje as mulheres fazem serviços que eram só dos homens. Em qualquer profissão, não só no esporte", lembra ela, que terá sua primeira chance em um Pan-Americano.

A paulista de Mogi das Cruzes é outro exemplo de mulher que não gostava de boxe, mas que acabou entrando de cabeça no esporte. "Quando meu marido chegou em casa dizendo que ia fazer um teste para lutar, eu briguei com ele. Achava muito violento", conta Elisângela, mãe de três filhos. "Depois me convidaram para treinar neste lugar, que só tinha rapazes e fui crescendo, vi que não era o que eu pensava."

Com tudo pronto para embarcar, a pugilista de 28 anos não esconde o entusiasmo. "Ontem eu comia ovo e hoje vou viajar de avião para um lugar que nem conheço", comemora a lutadora, antes de dar lição de moral. "Mas é com a cabeça fresca que a gente segue em frente".