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Há 122 anos nascia cantora considerada o elo musical entre Brasil e África

Clementina de Jesus recebe homenagem no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1983 - Lewy Moraes/Folhapress
Clementina de Jesus recebe homenagem no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1983 Imagem: Lewy Moraes/Folhapress

De Ecoa, em São Paulo (SP)

07/02/2023 06h00

Sambista fluminense de voz inconfundível, Clementina de Jesus causou forte impacto no cenário musical brasileiro. Seu repertório e sua maneira de cantar evidenciaram a contribuição central negra e africana para a cultura do país.

Nascida em 7 de fevereiro de 1901, há 122 anos, em Valença, no sul do estado do Rio de Janeiro, Clementina era neta de escravizados. A região em que cresceu era povoada por negros bantus e jongueiros, que foram a base de suas referências musicais.

Seu pai, o pedreiro Paulo Batista dos Santos, era também violeiro, e a mãe, Amélia de Jesus dos Santos, parteira e lavadeira, vivia entoando cânticos católicos e cantigas de jongo. Clementina começou a cantar ainda criança, no coro da igreja.

A família se mudou para Rio e Clementina passou a adolescência em Oswaldo Cruz, na Zona Norte, berço da Portela. Aos 12, ela já integrava o bloco Moreninhas das Campinas, um dos que deram origem à agremiação.

Clementina esteve envolvida nas principais rodas musicais do Rio de Janeiro do início do século. Frequentou a casa de Tia Ciata e ensaiou as pastoras que se apresentavam com Heitor dos Prazeres.

Dirigiu as escolas Unidos do Riachuelo e Índios do Acaú. Ao mesmo tempo, trabalhava como doméstica, lavadeira e cozinheira.

Em 1938, conheceu Albino Pé Grande, com quem se casou e foi morar no morro da Mangueira, onde viveu até o fim da vida. Passou a desfilar na verde e rosa, mas se dizia portelense.

A carreira profissional na música só deslanchou quando Clementina já tinha mais de 60 anos. O produtor e compositor Hermínio Bello de Carvalho a ouviu cantar pela primeira vez em 1963, em uma festa religiosa no bairro da Glória.

Impressionado, articulou sua estreia nos palcos, abrindo-lhe as portas do sucesso.

Em entrevista ao Sesc, o produtor diria: "Antes dela, não havia um elo musical tão grande entre o Brasil e a África. Isso é o que faz sua obra resistir ao tempo. A voz de Clementina são os tambores da África".

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A cantora brasileira Clementina de Jesus recebe homenagem no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1983
Imagem: Lewy Moraes/Folhapress

Em 1966, Clementina foi convidada a se apresentar no exterior: representou o Brasil ao lado de outros músicos no Festival de Artes Negras em Dacar, no Senegal, e foi também a Portugal. Gravou ainda seu primeiro disco solo.

Ao longo de 20 anos, foram 13 álbuns gravados, entre eles "Marinheiro Só" (1973) - que combina cantos populares e composições de uma nova geração - e "O Canto dos Escravos" (1982), que imortalizou cantos de trabalho de escravizados.

"Não acho que Clementina seja uma ponte para o passado. Clementina na verdade é o passado, o presente e só pode ser o futuro de um Brasil que nos foi negado", diz o historiador e podcaster Thiago André em um episódio do podcast História Preta dedicado à sambista.

A Rainha Quelé, como Clementina era conhecida, morreu em 1987 de um AVC, reverenciada pelos maiores nomes da música brasileira.