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Lélia Gonzalez: Há 88 anos nascia uma das principais pensadoras do Brasil

Lélia Gonzalez em foto de 1988 - Divulgação/Projeto Lélia Gonzalez Vive
Lélia Gonzalez em foto de 1988 Imagem: Divulgação/Projeto Lélia Gonzalez Vive

Paula Rodrigues

de Ecoa, em São Paulo (SP)

01/02/2023 06h00

Lélia Gonzalez foi uma das principais pensadoras do movimento negro e do Brasil. Em visita ao país, em 2019, a ativista norte-americana Angela Davis deu o recado para uma plateia lotada que estava em São Paulo para vê-la:

"Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzales do que vocês poderiam aprender comigo".

Mineira de Belo Horizonte, Lélia nasceu em 1º de fevereiro de 1935, 88 anos atrás. Morreu aos 59 anos, no Rio de Janeiro, vítima de infarto.

O trabalho que desenvolveu em vida, no entanto, segue reverberando até os dias de hoje.

A escritora Lélia Gonzalez, uma das principais intelectuais do feminismo negro no Brasil - Divulgação - Divulgação
A escritora Lélia Gonzalez, uma das principais intelectuais do feminismo negro no Brasil
Imagem: Divulgação

Quem foi Lélia Gonzalez?

Lélia Gonzalez era filósofa, antropóloga, escritora, política, professora e ativista do movimento negro.

Filha de um ferroviário negro e de uma trabalhadora doméstica indígena, teve 17 irmãos. O mais velho, Jaime de Almeida, jogava futebol e logo foi contratado para defender o Flamengo. Assim, quando Lélia tinha oito anos, a família se mudou para o Rio de Janeiro.

Na capital carioca, ainda criança, precisou trabalhar para ajudar a família. Em uma edição do jornal O Pasquim, de 1986, ela relembrou desse momento difícil:

"Quando criança, eu fui babá de filhinho de madame, você sabe que criança negra começa a trabalhar muito cedo. Teve um diretor do Flamengo que queria que eu fosse para casa dele ser uma empregadinha, daquelas que viram cria da casa. Eu reagi muito contra isso então o pessoal terminou me trazendo de volta para casa".

Apesar disso, conseguiu se formar em história e geografia, além de se tornar bacharel em filosofia.

Lélia Gonzalez e o início no movimento negro

Um dos principais gatilhos que a fez despertar para a militância ocorreu quando, em 1964, se casou com o filósofo Luiz Carlos Gonzalez, de quem herdou o sobrenome. Luiz era de família espanhola e branca, e que não aceitava o casamento dos dois porque Lélia era negra.

Em entrevista dada a Carlos Alberto Pereira e Heloisa de Hollanda, ela contou que sofreu muito racismo vindo dos sogros, que, dentre muitos nomes, a xingavam de "negra suja". Foi a primeira vez que ela diz ter tido a consciência de que estava sofrendo preconceito por causa de sua cor.

Pronto, daí aquilo que estava reprimido, todo um processo de internalização de um discurso 'democrático racial' veio à tona, e foi um contato direto com uma realidade muito dura. Lélia Gonzalez

A relação entre Lélia e Luiz durou só um ano, em 1965, por causa da situação com a família, ele cometeu suicídio. Para a intelectual, o finado marido foi peça fundamental para que ela começasse a entender e refletir mais sobre o embranquecimento que havia sido submetida ao longo da vida.

No começo dos anos 1970, começou sua militância e passou a ser monitorada pela ditadura militar, que a fichou como "subversiva" no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).

Ao final da década, já estava mergulhada no movimento negro, chegando a ser uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado e do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN). Foi uma das responsáveis pela volta do movimento negro no Brasil, que havia sido abafado pela ditadura.

Assim passou dar formação política para vários militantes à época. Chegou também a realizar diversas viagens dentro do país para ajudar a consolidar o movimento negro e o debate sobre pautas raciais em outras regiões do Brasil.

"Ela tinha uma preocupação muito grande em ter esse olhar para várias formações culturais e políticas. As contribuições africanas, latino-americanas, das culturas que naquele contexto não tinham autoridade intelectual, que eram tidas como culturas de menor valor, ela tinha uma preocupação muito grande em valorizar essas culturas tradicionais e formações intelectuais de outros continentes que não só o Europeu", diz Flávia Rios, socióloga e uma das autoras das biógrafas de Lélia Gonzalez.

Fotografia realizada por Januário Garcia no dia 20 de novembro em 1982 na Serra da Barriga no Quilombo de Palmares e presente em seu livro 25 anos de Movimento Negro no Brasil. Da esquerda para a direita: Lélia Gonzalez, Abdias do Nadcimento, Edialeda, Deputado José Miguel e Helena Theodoro - Januario Garcia - Januario Garcia
Fotografia realizada por Januário Garcia no dia 20 de novembro em 1982 na Serra da Barriga no Quilombo de Palmares e presente em seu livro 25 anos de Movimento Negro no Brasil. Da esquerda para a direita: Lélia Gonzalez, Abdias do Nadcimento, Edialeda, Deputado José Miguel e Helena Theodoro
Imagem: Januario Garcia

Lélia Gonzalez e a 'Interseccionalidade'

Para Lélia, a sociedade possui diversas opressões que se relacionam. Por isso, acreditava que era preciso trazer as questões raciais para o seio do debate feminista, assim como o movimento negro deveria olhar com mais cuidado para questões de gênero. Mais tarde, esse pensamento seria chamado de "interseccionalidade", sendo Lélia a principal responsável por levantar esse debate.

Tanto questões de gênero quanto de raça foram os pilares de suas campanhas eleitorais — primeiro em 1981 para deputada federal pelo PT (Partido dos Trabalhadores) e depois para deputada estadual pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista). Não conseguindo se eleger em nenhuma das ocasiões. Desistiu de concorrer novamente, mas se manteve presente na vida pública e política até 1989, quando saiu do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).

"Lélia é uma autora que escrevia para os grandes veículos de comunicação, para a imprensa alternativa. Que estava nos debates culturais, acadêmicos, populares, nas favelas... Era uma intelectual que ficava com sua máquina de escrever em seu escritório, lendo seus livros, mas que também estava nas ruas, nos lugares onde gente do cotidiano estava, fortalecendo aquelas bases."

Flávia Rios, socióloga e uma das autora da biografia de Lélia Gonzalez