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Quem foi Andor Stern, único brasileiro a sobreviver ao horror de Auschwitz

Memorial do Holocausto/Reprodução
Imagem: Memorial do Holocausto/Reprodução

Maiara Marinho

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

27/01/2023 06h00

O único brasileiro sobrevivente do Holocausto era um filho de húngaros que deixou o Brasil ainda pequeno junto com a família e vivia na Europa quando estourou a Segunda Guerra Mundial. Nascido no bairro Bixiga, em São Paulo, em 1928, Andor Stern retornou ao país aos 20 anos de idade, depois de perder parte de sua família nos campos de concentração.

Quando Getúlio Vargas declarou apoio aos Aliados contra a Alemanha nazista, em 1942, por meio de um acordo com os Estados Unidos, Stern vivia com a família na Hungria, país que era aliado de Hitler naquele momento. Por esse motivo, aos 13 anos, foi considerado inimigo estrangeiro, mas conseguiu escapar de ser preso e viveu escondido no país até 1944, quando os nazistas ocuparam a Hungria.

Foi quando ele e sua família foram capturados e levados, então, para os campos de concentração em Auschwitz, na Polônia. Andor e a mãe foram colocados em um trem, seu pai conseguiu fugir e desapareceu, e os dois só se reencontrariam 22 anos depois. Nesse momento já estava em curso o projeto "Solução Final para a Questão Judaica", que tinha como objetivo exterminar da Europa todos os judeus.

Andor Stern perdeu a mãe, os avós e tios na câmara de gás. Ele voltou ao Brasil quando tinha 20 anos de idade, formou-se em Química e trabalhou na IBM por um período, até abrir sua própria empresa, que foi à falência durante a crise econômica no governo Collor.

Casou-se com Therezinha Figueira Stern, teve cinco filhos e viveu por 93 anos, parte dos quais dedicou à realização de palestras e entrevistas, com o objetivo de resgatar os horrores vividos pelo nazismo para que ele nunca mais se repita. Faleceu no dia 7 de abril de 2022.

Vida em um vagão

Em diversas declarações para a imprensa, Andor relatou como foi sua vida nesse período. Preso em um vagão de trem, foi obrigado a utilizar um penico onde urinava também para comer. Os horrores relatados foram vividos por pelo menos 6 milhões de judeus que perderam suas vidas nos campos de concentração nazistas.

No Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto, Ecoa convidou Ilton Gitz - professor de Cultura Judaica no Colégio Israelita Brasileiro, em Porto Alegre/RS, e coautor do livro "Ensinando sobre o Holocausto na escola", escrito com o historiador Nilton Mullet Pereira -, para falar sobre o assunto.

Andor Stern - Gustavo Amorim - Gustavo Amorim
Tatuagem com número marcou o braço de Andor Stern quando foi levado forçosamente para Auschwitz
Imagem: Gustavo Amorim

Marcas da ascendência

De acordo com o professor Gitz, a ascendência de Andor determinou os rumos de sua vida a partir de um determinado momento. Até o início da Segunda Guerra Mundial, o antissemitismo já fazia parte da história da Alemanha desde a eleição do partido de extrema direita liderado pelos nazistas, em 1933. Mas foi após o início do conflito que todas as liberdades passaram a ser cerceadas.

Até o início do conflito mundial, os judeus que tinham outra nacionalidade poderiam voltar a seus países. No entanto, com o início do conflito, os judeus que estivessem sob a dominação nazista seriam tratados como um inimigo da raça ariana e sofreriam o mesmo tratamento de outros judeus do país ocupado.

Ilton Gitz, professor de Cultura Judaica

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Constituição Alemã adicionou um artigo assegurando que cidadãos nativos e descendentes desprovidos de cidadania entre 1933 e 1945 por motivos políticos ou raciais teriam o direito à cidadania restaurado. Recentemente, em 2020, o artigo ampliou essas condições.

Lembrar para não esquecer

Andor Stern - Unasp - Unasp
Andor Stern em palestra realizada no Centro Universitário Adventista de São Paulo, em 2019
Imagem: Unasp

O resgate da memória de um determinado período de uma nação é considerado fundamental como forma de reparação histórica, assim como um mecanismo para lembrar os horrores e, com isso, evitar que aconteça novamente. Era o que tentava fazer Andor Stern em suas palestras.

A primeira atividade foi em uma escola na cidade de Santos, em São Paulo, em 2009, quando foi convidado por um colega de trabalho a dar uma palestra para adolescentes que estavam estudando a Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, conheceu o historiador Gabriel Perin, autor da biografia de Andor, "Uma Estrela na Escuridão", como conta a jornalista Priscila Camazano, em reportagem da Folha de São Paulo.

Em suas declarações públicas sobre o Holocausto, costumava relatar a trajetória que o levou até a Europa em um contexto extremamente violento para os judeus e detalhava as condições a que era submetido como, por exemplo, comer qualquer coisa que via pela frente como papelão e capim, além dos maus tratos físicos, a fome e a insalubridade.

Auschwitz era um campo de trabalho, de castigo, de transporte e de extermínio. Quando cheguei, fiquei atônito, não sabia o que ia acontecer (...) lá você se desliga, você não consegue assimilar, você fica indefeso e fica esperando o que vai acontecer com você.

Andor Stern, sobrevivente do Holocausto

Ao ser resgatado por soldados estadunidenses, quando os nazistas abandonaram o trem onde ele e outros judeus estavam presos, Andor pesava cerca de 30 quilos. "Eles [os soldados] tiraram dos bolsos e começaram a jogar bolacha, chocolate, banana, eu e meu amigo não comemos, mas muita gente que comeu morreu depois. Claro, não estávamos mais acostumados", continua ele

A memória vívida dos acontecimentos se transformaram, durante sua vida, em uma percepção aguçada e agradecida pelas coisas boas que passou a ter após a queda do nazismo. A liberdade, para ele, o fazia se sentir satisfeito em estar vivo. Lembrar, para não esquecer, era o que ele fazia ao falar constantemente da liberdade.

Não tem dia que eu não acorde e sinta a cama limpinha, cheirosa, chuveiro fumegante, a copa cheia de manteiga, queijo, geleia, pães, e o mais importante, eu sou um homem livre e vivo isso diariamente

Andor Stern, sobrevivente do Holocausto

Sem reparação, não há democracia

"A sociedade judaica preza a memória do Holocausto, suas instituições organizam eventos onde o tema é lembrado", relata Gitz, que cita alguns lugares no Brasil onde essa memória é registrada. "Em Curitiba tem o Museu do Holocausto que produz excelente material e vários eventos sobre o tema, também em São Paulo e no Rio de Janeiro tem memoriais". Para o professor, é importante o Holocausto ser lembrando por toda a sociedade já que é um assunto sobre democracia.

No caminho pelo fortalecimento das liberdades democráticas, as instituições judaicas, conta o professor, divulgam tanto a data do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, comemorado hoje, quanto a do "Iom Hashoa, dia em que começou a revolta do Gueto de Varsóvia, feita em 29 de abril de 1943, primeira rebelião civil contra o poder nazista".

Apesar disso, o tema é pouco debatido e trabalhado nas escolas brasileiras. "Parece-me que é visto pelos educadores como um assunto judaico", diz Gitz. Conhecido como o 'século dos genocídios', para ele, estudar o que aconteceu com os judeus no século 20 é uma forma de fortalecer o entendimento de que "devemos ser cidadãos críticos e capazes de lutar contra qualquer tipo de discriminação".

Ensinando sobre o Holocausto na escola

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