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Museu MUTHA faz maior mostra de arte trans no Brasil, com obras de 7 países

Exposição TransEspécie - Catálogo do MUTHA/Reprodução
Exposição TransEspécie Imagem: Catálogo do MUTHA/Reprodução

Cristina Judar

colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

27/08/2021 06h00

A partir de um episódio ocorrido em 2018, quando a veiculação de um espetáculo no qual era performer foi vetada e mais de dez veículos de imprensa deixaram de citar o seu nome, o pesquisador, artista e autor trans Ian Habib se deu conta de uma realidade que já não é de hoje, intimamente relacionada à falta de historicização de corpos transgênero no campo de artes cênicas.

Decidiu, então, pesquisar os arquivos da censura relacionada a corpos trans no período da ditadura militar brasileira. Foi aí que sentiu a grande necessidade de fazer algo em relação à memória, à produção de dados e à empregabilidade transcultural.

Pela primeira vez, a própria população trans pode produzir sua história, que até hoje foi narrada pela cisgeneridade, com omissões e incoerências. Estamos falando de novas políticas do tempo e novas narrativas curatoriais, compreendendo a curadoria também como um projeto de cura das colonialidades, Ian Habib

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O pesquisador, artista e autor trans Ian Habib
Imagem: Divulgacão

Em conformidade com esse cenário, nasceu o MUTHA (Museu Transgênero de História e Arte), que inaugurou seu primeiro portal para a transformação: o website www.mutha.com.br. "Desejamos afirmar que sempre existimos e sempre existiremos, apesar das inúmeras tentativas de apagamento das nossas vidas. Isso indica a potencialidade de criar novos passados, presentes e futuros, visto que a memória é um direito de todas as populações", diz Ian.

Maior mostra de artes trans realizada no Brasil

Parte integrante do projeto, a primeira exposição artística - atualmente disponível na Galeria Virtual MUTHA - é a maior mostra de artes trans realizada no Brasil até hoje, com a inclusão das obras de mais de cinquenta e seis pessoas trans das cinco regiões brasileiras e de sete países, em quatro continentes.

Entre as conquistas do museu, destaca-se a empregabilidade e geração de renda, a começar pelos trabalhos artísticos que estão sendo comercializados - como camisetas, prints, livros, pinturas, esculturas, além de serviços. "Em tempos pandêmicos, aumentar a possibilidade de venda desses itens pode salvar vidas que, mesmo antes do covid-19, já sofriam com a precarização. Ademais, a arte trans está revolucionando e inovando o panorama global da arte contemporânea, museologia e história; são itens raros e imperdíveis, memórias nunca antes conhecidas", completa Ian.

A iniciativa leva em consideração todos os aspectos de precarização que envolvem os modos de criação das existências trans e abrange todas as identidades de gênero não-cisgêneras, além de englobar linguagens artísticas tão diversas como artes cênicas, dança, audiovisual, artes visuais, beleza, moda, literatura, artesanato e body art. Diante de tantas possibilidades, Ian dá o recado:

Ao invés de privilegiar grandes marcas fast-fashion de roupas, comprar uma camiseta produzida artesanalmente por uma pessoa trans é um ato de luta contra desigualdades sociais e de valorização da exclusividade e da novidade. Ao invés de consumir apenas literatura mainstream, ler livros produzidos por pessoas trans pode colaborar imensamente com novas produções de linguagens e mundos Ian Habib

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Exposição TransJardinagem
Imagem: MUTHA/Divulgação

Vale dizer que a exposição também se caracteriza pela diversidade de origens das pessoas participantes, seja de zonas litorâneas, urbanas ou rurais, bem como a valorização da produção de vivências negras, amazônidas, indígenas, imigrantes, emigrantes, de pessoas com deficiência e em diversas faixas etárias e classes sociais. "As linguagens em exposição mostram novas epistemologias, novas produções de conhecimento artístico, específicas de nossos trânsitos no mundo, que colaboram não só com questões de gênero, mas de outras formulações de ecologia, biologia, medicina, memória, espaço, tempo, técnicas, linguagens, pensares".

Ian ainda ressalta a importância do consumo de obras trans como algo que faz parte da luta contra a exotificação que a população trans sofre. "Não somos vitrine para olhares curiosos que passam. Precisamos produzir novos valores e novas simbologias - eu chamo isso de transgenerização da vida. Transgenerizar a vida é reconhecer a transformação de tudo que existe. Ter um quadro trans em sua sala é valorizar a transformação da natureza"