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Como saber o custo social e ambiental do café que está na minha xícara?

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Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo (SP)

25/05/2021 06h00

O Brasil é o maior produtor e exportador global de café e também um dos principais consumidores da bebida no mundo. Nossa ligação com o produto é histórica e, segundo o IBGE, é ele o alimento mais consumido pelos brasileiros em frequência e quantidade diária, ganhando até mesmo do tradicional arroz e feijão.

A cafeicultura nacional ocupa cerca de 2 milhões de hectares, concentrando-se principalmente no sul de Minas Gerais, em áreas do Espírito Santo e do interior paulista. Em 2020, foram produzidas mais de 60 milhões de sacas de 60 kg, segundo dados da International Coffee Organization.

Essa enorme produção está associada a uma série de problemas socioambientais. É responsável por um alto índice de desmatamento da Mata Atlântica e do Cerrado, perda de biodiversidade, contaminação de recursos hídricos por agentes químicos, além dos casos de intoxicações e mortes de trabalhadores ocasionadas por agrotóxicos e de denúncias de trabalho em condições análogas à escravidão nas lavouras.

Com respeito ao meio ambiente e condições de trabalho humanizadas, a cafeicultura sustentável se contrapõe a esse modelo. Ela ainda representa uma parcela minoritária do mercado brasileiro, mas ganhou força nas últimas duas décadas, impulsionada pela demanda e por sistemas de certificação que agregam valor ao produto, garantindo alguns parâmetros socioambientais ao consumidor.

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Plantação de café em São Sebastião do Paraíso
Imagem: AMANDA PEROBELLI

Como saber mais sobre o café que estou consumindo?

A rastreabilidade é um dos principais atributos para checar a procedência e as condições de produção do café.

Cafés especiais (definição técnica para cafés de alta qualidade que atendem a um padrão internacional) e certificados (que possuem selos socioambientais ou de qualidade), normalmente trazem em sua embalagem informações sobre a origem do grão e o processo de produção.

Isso permite ao consumidor final se aproximar do que acontece no campo, e, com o nome da fazenda em mãos, pesquisar mais sobre suas práticas.

O que torna um café sustentável?

Nem todo café especial ou certificado é, necessariamente, sustentável. O tripé da sustentabilidade leva em conta fatores sociais, ambientais e econômicos. É necessário haver registro dos trabalhadores, garantia de sua saúde e segurança, alojamento e pagamento adequados, além de preservação dos recursos hídricos, da biodiversidade e da qualidade do ar, sem a utilização de pesticidas nocivos, e, por fim, melhoria na gestão e planejamento do negócio, para que se mantenha rentável.

Custa mais? Por quê?

Sim, esses produtos saem mais caros para o consumidor final. "Sustentabilidade tem um custo. São necessários investimentos ao longo da cadeia, desde a fazenda até a indústria, para implementar práticas ambientais e sociais mais justas e mais sustentáveis", disse a Ecoa Giovanna Escoura, gerente de mercados da Rainforest Alliance no Brasil.

O que é e para que serve a certificação socioambiental?

Surgida nos anos 2000, no Brasil, ela consiste em um mecanismo voluntário — ou seja, buscado voluntariamente por produtores, associações e cooperativas — de avaliação das condições em que um produto agrícola ou florestal é produzido.

Também funciona como uma ferramenta de incentivo à mudança nas práticas de agricultores, rumo à sustentabilidade. Os selos diferenciam produtos e produtores de acordo com valores e critérios estabelecidos pelas normas de certificação.

Quais os benefícios para o produtor?

Certificar uma fazenda requer um investimento alto, mas também abre a possibilidade de maiores ganhos para o agricultor porque valoriza seu produto no mercado. Enquanto a saca de 60 kg do café commodity está a R$ 350, produtores certificados por práticas sustentáveis chegam a faturar cerca de R$ 600 por saca.

Do ponto de vista ambiental e social, há outros ganhos que também se refletem na produção. As técnicas de agricultura sustentável enriquecem o solo e aumentam sua absorção de água, o que garante maior fertilidade e eficácia na irrigação. A capacitação dos trabalhadores, a garantia de condições de saúde e segurança, moradia e remuneração dignas também fazem diferença em sua produtividade.

Essas são algumas das melhorias levantadas por Regis Damasio Salles, cafeicultor e atual superintendente da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado de Monte Carmelo, município de Minas Gerais. A entidade possui o selo Rainforest Alliance há uma década. A Ecoa, Salles afirmou que "o balanço final é positivo, compensando produzir café certificado".

Quais tipos de certificação existem para o café e o que indicam?

Existem selos de qualidade, que avaliam aspectos físicos do café, e selos socioambientais, que fornecem uma garantia das condições sociais e ambientais de produção.

Nesse segundo grupo, estão selos como:

Rainforest Alliance/UTZ - O "selo do sapinho" tem uma rigorosa norma de agricultura sustentável e certifica 10% da área e 14% do volume total de café colhido no Brasil. Entre as marcas nacionais certificadas, estão 3 Corações, Octavio Café, Orfeu Cafés e Expert Blenders.

Fair Trade - Concedido por entidades de certificação nacional ou pela Fairtrade International, esse selo tem foco no comércio justo e busca proporcionar melhores condições de troca e a garantia dos direitos para produtores e trabalhadores.

4C - O certificado internacional se baseia no Código Comum para a Comunidade Cafeeira, criado pela 4C Services para promover critérios básicos de sustentabilidade na cadeia do café.

Como essas certificações funcionam?

Cada selo mencionado acima está vinculado a uma entidade que estipula os requisitos necessários para a certificação. De modo geral, organismos certificadores (como ONGs de proteção ambiental) se credenciam junto a essas entidades para realizar a fiscalização das fazendas interessadas em receber o selo socioambiental.

Ao manifestar interesse pela certificação, produtores e empresas precisam corresponder a alguns requisitos mínimos — por exemplo, não utilizar mão de obra infantil ou análoga à escravidão ou ter conflitos com terras indígenas. Há prazos de adequação para atender a critérios menos básicos, que requerem investimentos e mudanças na lavoura. As condições de produção são monitoradas e auditadas periodicamente para que a certificação possa ser mantida.

São confiáveis?

Em uma cadeia produtiva historicamente associada a problemas ambientais e sociais, a certificação costuma garantir uma melhora nas condições dos trabalhadores e no impacto do cultivo sobre o meio ambiente. Mas, por si só, esses sistemas não dão conta de resolver tudo e já houve flagrante de trabalho escravo em fazendas certificadas.

Para Heidi Buzato, coordenadora social da ONG Imaflora que realiza a certificação Rainforest Alliance no Brasil, o sistema de certificação socioambiental busca promover melhoria contínua nos que aderem a ela.

Mas sua eficácia também depende da vigilância da sociedade civil, já que os órgãos fiscalizadores não estão no dia a dia das fazendas. As certificações possuem canais de denúncia para irregularidades e aqueles que forem alvo delas podem ser notificados ou perder o selo, a depender da gravidade. Para ter um produto totalmente sustentável, outros instrumentos precisam entrar em ação, como leis e políticas públicas.

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