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Empresa busca inclusão "em casa" e lança curso de tecnologia para negros

Hussani Oliveira programador no Quinto Andar - Otavio Sousa/Divulgação
Hussani Oliveira programador no Quinto Andar
Imagem: Otavio Sousa/Divulgação

Felipe Van Deursen

Colaboração para Ecoa, em Florianópolis (SC)

24/03/2021 06h00

Não é de hoje que o setor de tecnologia é conhecido por ser um ambiente muito branco. Dados de 2016 do Ministério do Trabalho escancaram a homogeneidade: brancos são 92% dos funcionários na área de engenharia de equipamentos de computação. A estatística está longe de ser uma raridade no mercado, pois pretos e pardos são maioria apenas em trabalhos sem formação.

Código Preto

Nos últimos anos, algumas iniciativas têm surgido para tentar levar mais diversidade ao setor. Uma delas é o Código Preto, um programa de formação em tecnologia gratuito e exclusivo para negros, lançado pela startup imobiliária QuintoAndar. O curso, cujas inscrições acabaram no início de fevereiro, tem duração de cinco meses e é ministrado pela escola de tecnologia Digital House. As aulas são remotas e à noite.

Após concluírem o curso, os 50 alunos do Código Preto poderão participar do processo seletivo para a área de engenharia de software do QuintoAndar.

"O Código Preto é parte de um plano maior de inclusão, diversidade e representatividade no QuintoAndar", diz Denis Caldeira, vice-presidente de vendas e clientes. "Podemos gerar mais oportunidades para pessoas negras no mercado de tecnologia, o que acreditamos que é benéfico para todo mundo."

Denis - VP Sales/Divulgação - VP Sales/Divulgação
Denis Caldeira do Quinto Andar
Imagem: VP Sales/Divulgação

Tecnologias racistas?

Um estudo da consultoria McKinsey feito em 2017 mostrou que empresas que investiam em equipes com mais diversidade tinham 33% mais chances de superar a concorrência.

"Saber que a performance dos lucros melhora é um argumento relevante para que as empresas comecem a olhar para a diversidade", diz Silvana Bahia, codiretora-executiva do Olabi, organização que luta pela democratização da produção de tecnologia. "Porém, diversidade não é algo que pode ser ?comprado?. Diversidade precisa ser construída. Não como um setor específico ou uma consultoria pontual, mas sendo uma linha que atravessa as ações das empresas. Tem muito mais a ver com mudança de mentalidade", explica.

Isso fica evidentemente delicado porque, no setor de tecnologia, a falta de pluralidade pode render produtos racistas. Em 2016, um programa usado pelo sistema judiciário americano usava inteligência artificial para analisar réus e ver quais eram mais propensos a reincidir. Um levantamento apontou que o programa dava taxas quase duas vezes mais altas a negros do que a brancos. Em 2018, o vídeo de uma saboneteira automática que só reconhecia peles brancas viralizou. "Em geral, a gente dissocia que as tecnologias são fruto de escolhas humanas. Toda tecnologia traz a visão de mundo e a cultura de quem a cria. Times de tecnologia mais plurais podem ser uma possibilidade de criação de tecnologias menos excludentes ou mais inclusivas", lembra Bahia.

Caldeira diz que 30% do total de funcionários do QuintoAndar são negros. Um deles é o desenvolvedor de software Hussani Oliveira, 29 anos. Ele lembra que, no QuintoAndar, em empregos anteriores e na faculdade os negros eram sempre minoria. "Isso pode ser explicado por uma série de requisitos que são cobrados para o estudo, como computador, internet e muitas vezes a necessidade de se falar inglês", diz.

Hussani, que ingressou no QuintoAndar por métodos tradicionais de seleção, acredita que as empresas precisam dar oportunidades a pessoas negras, "implementando ações afirmativas para contratação, desenvolvimento e promoção". No QuintoAndar, como em praticamente todo o mercado de trabalho, os negros se concentram na base da hierarquia: eles são só 14% dentre os que ocupam cargos de liderança.

"Sabemos que a inclusão vai além de ter negros nas posições de base, e queremos desenvolver essas pessoas para aumentar a representatividade em novas posições de liderança que surjam no futuro", explica Caldeira. É aí que entra o Código Preto, que pode formar futuros funcionários com potencial para ir longe na carreira. Para Bahia, do Olabi, ações como essa são "necessárias, urgentes e super importantes para mitigar possíveis efeitos negativos que as tecnologias podem trazer."