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Qual a importância do desenvolvimento sustentável para futuros prefeitos?

Os ODS são referência para a formulação de políticas públicas, diz sociólogo - Beto Macário/UOL
Os ODS são referência para a formulação de políticas públicas, diz sociólogo Imagem: Beto Macário/UOL

Beatriz Sanz

De Ecoa, em São Paulo

26/11/2020 04h00

Educação, saúde, trabalho, igualdade de gênero, consumo consciente, crescimento econômico e investimentos sustentáveis são alguns dos pontos que integram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, definidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) para auxiliar líderes, empresas e população a trabalhar por um futuro mais igualitário e sustentável, e deveriam estar no radar de governantes de todo o mundo.

Pensando nisso, Ecoa analisou os planos de 10 candidatos que disputam o segundo turno nas cinco capitais brasileiras com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — Maceió, Rio Branco, Porto Velho, Manaus e Belém — para entender se as futuras prefeitas e prefeitos estão comprometidas com esses objetivos.

Segundo a ONU, os ODS "são como uma lista de tarefas a serem cumpridas pelos governos, a sociedade civil, o setor privado e todos cidadãos na jornada coletiva para um 2030 sustentável". São 17 objetivos, definidos em 2015, que se dividem em 169 pontos que precisariam ser cumpridos em 15 anos.

Nesse sentido, Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) destaca que é importante incluir os ODS nos planos de governo municipais porque "a esfera local é onde as pessoas vivem, é onde acontece a vida das pessoas".

"Os governos locais são os entes federativos mais próximos aos cidadãos e são também formuladores de políticas públicas que catalisam as mudanças para a melhoria da qualidade de vida da população", complementa Zuleica Goulart, coordenadora do Programa Cidades Sustentáveis (PCS), uma iniciativa em parceria com a ONU, e coordenadora coexecutora do projeto CITInova.

Os objetivos são referência para a formulação de políticas públicas, segundo o sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFAM, Marcelo Seráfico. "Os planos de governo que tenham os ODS como referência revelam a atenção dos candidatos para uma agenda de questões globais cujo enfrentamento é decisivo para a melhoria das condições de vida no planeta", afirma.

O que dizem os planos

  • Educação, Saúde e Trabalho: Todos os planos citados abordam os temas, mesmo sem necessariamente citar os ODS ou suas metas;
  • Indústria, agricultura sustentável, cidades sustentáveis, água potável e saneamento, redução das desigualdades e energia limpa: Em relação a esses ODS, quase todos os planos fazem alguma sinalização. No entanto, as propostas são tímidas e não sinalizam metas a serem cumpridas.
  • Erradicação da pobreza, consumo responsável, ação contra mudança global do clima, vida na água, vida na terra, paz, justiça e instituições eficazes, igualdade de gênero e parcerias e meios de implementação: A grande maioria dos planos de governo apresentados ignoram esses ODS.

Duas citações em dez planos

Entre os dez planos analisados por Ecoa, apenas dois citam nominalmente os ODS e dizem que estão comprometidos com a Agenda 2030.

Segundo Seráfico, isso acontece por dois fatores principais. O primeiro seria "a ignorância dos candidatos e de suas assessorias".

O segundo ponto, de acordo com o sociólogo, seria o fato de que os candidatos não compreendem "os problemas e os desafios envolvidos pela gestão das cidades" porque vêm as cidades que pretendem governar "com olhos provincianos".

Em consonância com essa análise, Abrahão explica que, quando os governantes ignoram os ODS, eles perdem oportunidades. "É um desperdício porque relacionar uma agenda local com uma agenda global amplia muito as possibilidades de uma cidade".

O especialista diz que ao alinhar as políticas públicas com os ODS, as cidades ganham oportunidade de visibilidade, parcerias com outras instituições e até mesmo de financiamentos.

Em pelo menos duas capitais — Porto Velho e Belém — os planos de governo dos candidatos que disputam o segundo turno não demonstram nenhum alinhamento com os ODS e a Agenda 2030.

Para Goulart, isso acontece porque as propostas da ONU "ainda estão muito distantes da maior parte das cidades".

Os ODS recorrentes e os esquecidos

Nos planos de governo registrados pelos candidatos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), os temas de educação, saúde e emprego que podem ser relacionados a três ODS são citados de forma recorrente.

Isso não significa que os planos estejam comprometidos com esses objetivos, já que as propostas feitas pelos candidatos não necessariamente seguem as metas estipuladas pela ONU.

Já na questão ambiental, em especial o que diz respeito às ações contra as mudanças climáticas, apenas as candidatas à prefeitura de Rio Branco e Porto Velho, respectivamente, Socorro, Neri (PSB) e Cristiane Lopes (PP) abordam o tema.

Vale citar que Manaus, Belém, Rio Branco e Porto Velho estão entre as 10 cidades com pior coleta de esgoto de todo o país. Para se ter ideia, em Rio Branco, apenas 21,65% da população tinha acesso ao serviço em 2017, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

Em Belém, o índice é de 12,99%, seguido por Manaus que coleta o esgoto de 12,25% de sua população. A situação é ainda mais precária em Porto Velho, onde apenas 4,58% da população possui seu esgoto coletado.

Os candidatos dessas capitais reconhecem o problema em seus planos de governo, alguns até citam ações, mas não estipulam metas para seu cumprimento.

A igualdade de gênero, que também é um dos objetivos da ONU, não parece ser uma preocupação central para grande parte dos candidatos.

Em pelo menos cinco dos dez documentos analisados, as mulheres só são citadas no contexto da saúde da mulher ou da violência doméstica. Não abordam, por exemplo, a promoção de ações para reduzir a disparidade salarial entre homens e mulheres no país em que elas ganham 20,5% menos que eles, segundo o IBGE.

Seráfico argumenta que o apagamento dessas questões nos planos de governo não é coincidência.

"Talvez os candidatos tenham escolhido ignorar esses temas de modo a não entrar em atrito com potenciais eleitores cujas simpatias políticas estão mais ou menos próximas da agenda reacionária capitaneada pelo presidente da República", explica.

Abrahão concorda que questões de gênero e raça são temas que causam desconforto na sociedade. "É uma falha desses governos, eles não perceberem a importância desses temas e o enorme potencial que eles têm para a transformação da cidade."

"Os candidatos via de regra, tem uma visão de problemas mais imediatos e curto prazo" e, segundo ele, por isso não tratam dessas questões.