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OPINIÃO

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Rãs da Mata Atlântica são afetadas pelo desmatamento da Amazônia

Lucas Ferrante
Imagem: Lucas Ferrante

Lucas Ferrante

Colaboração para Ecoa

18/01/2023 06h00

A Mata Atlântica se estende por 17 estados do Brasil, abrangendo grande parte do litoral do país. O bioma é considerado um hotspots de biodiversidade, denominação dada a biomas com grande número de espécies de animais e plantas que são endêmicas, ou seja, ocorrem exclusivamente lá.

Uma das maiores ameaças ao bioma, no entanto, é a fragmentação de habitat, que é o isolamento de manchas de floresta, onde a biodiversidade fica isolada em pequenas populações.

É estimado que mais de 80% da Mata Atlântica seja constituída hoje de fragmentos de floresta com menos de 50 hectares. Além disso, plantios como cana-de-açúcar, ou pastagens para pecuária tendem a afetar a estrutura dos fragmentos de floresta do bioma, ameaçando a biodiversidade.

Recentemente, espécies de sapos da Mata Atlântica têm apresentado redução significativa da sua área de ocorrência. Uma dessas espécies é o Scinax caldarum, pequena espécie de perereca que hoje ocorre exclusivamente em Poços de Caldas e Caldas, em Minas Gerais, mas que já teve suas populações se estendendo por todo o sul do estado.

De acordo com artigo científico publicado no Journal of Herpetology, periódico científico editado pela Associação Britânica de Herpetologia (ciência que estudo anfíbios e répteis), múltiplos fatores tem causado os declínios populacionais para esta espécie, como maior uso de agrotóxicos, cultivos agrícolas e mudanças climáticas.

De acordo com relatórios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), as mudanças climáticas são uma das grandes ameaças a biodiversidade global, principalmente os anfíbios, que são animais muito sensíveis a qualquer perturbação de seu ambiente.

Em novembro, um artigo científico publicado na renomada Conservation Biology, desvendou mais uma das ameaças que tem impactado a biodiversidade da Mata Atlântica:

Analisando a dinâmica populacional de uma espécie de rã ameaçada de extinção, a Hylodes sazimai, que ocorre apenas em riachos encachoeirados nos municípios de Areado, Poços de Caldas e Caldas, no sul de Minas Gerais e Campinas, no estado de São Paulo, os pesquisadores verificaram que em anos de pouca chuva a espécie apresentava baixa atividade dos indivíduos, o que impactava diretamente o recrutamento de novos indivíduos na população devido a baixa atividade na estação reprodutiva.

O artigo ainda revelou que as chuvas que afetam as dinâmicas populacionais da pequena rã que vive no Sul de Minas Gerais e São Paulo são originadas na costa africana, percorrendo o Oceano Atlântico até a região Amazônica que, por sua vez, recicla as chuvas através da evapotranspiração realizada pelas árvores da grande floresta, o que junto com pequenas partículas chamadas aerossóis formam grandes células de alta pressão de vapor responsáveis pela grande corrente de umidade que encontra resistência na Cordilheira dos Andes e se desloca para o Sul e Sudeste do Brasil, precipitando em forma de chuva nestas regiões.

Desta forma, a dinâmica das espécies da Mata Atlântica são dependentes do ciclo hidrológico propiciado pelo Oceano Atlântico e pela Floresta Amazônica, os chamados "rios voadores".

O estudo também revelou que as quatro populações de Hylodes sazimai conhecidas apresentavam diferenças morfológicas geradas pela variação do clima em cada localidade de ocorrência.

O estudo constatou que as populações inseridas em localidades com menos chuvas e maiores temperaturas, como o município de Areado, no sul de Minas Gerais e Campinas, no estado de São Paulo, apresentavam indivíduos menores e com patas e membranas nas patas traseiras mais curtas, uma estratégia evolutiva para evitar a perda de água.

Embora o artigo científico tenha apontado que determinadas populações da pequena rã têm se adaptado evolutivamente às variações climáticas nas localidades em que ocorrem, o estudo também apontou que o tempo necessário para adaptação da espécie precisaria ser muito maior, em que a espécie pode sofrer uma extinção em curto prazo devido as mudanças climáticas já em curso.

Um dado preocupante trazido pelo estudo é a formação de uma célula de instabilidade climática sobre o Sudeste do país, o que tende afetar a biodiversidade, agricultura e até mesmo o abastecimento humano.

Foram analisados dados de imagens de satélite da NASA de mais de 15 anos para verificar o fluxo de chuvas em cada localidade de ocorrência da rã, o que mostrou que o ciclo hidrológico que abastece o Sul e Sudeste do país está ameaçado pelo avanço de desmatamento na Amazônia.

As análises apresentadas no artigo científico demonstraram que áreas na Amazônia que concentraram desmatamento e degradação ambiental, como o "arco do desmatamento amazônico" e o estado do Pará, já exportam menor quantidade de água pelos "rios voadores amazônicos" que são responsáveis por parte das chuvas que abastecem parte da Mata Atlântica.

Como proposta para mitigar este problema, o estudo indica a necessidade de políticas de desmatamento zero para a Amazônia, e que o Brasil reveja grandes empreendimentos que tendem a impactar substancialmente a Amazônia, como é o caso da pavimentação da Rodovia BR-319 que liga Porto Velho no estado de Rondônia, até Manaus, na Amazônia central.

A ciência nos demonstra que a degradação da Floresta Amazônica tem impactos além de suas fronteiras e que a proteção da biodiversidade de outros pontos do país depende da proteção da grande floresta.

*Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), mestre e doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).