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Marina Mathey

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Queria poder falar sobre o amor...

Aloe Opuntia Polyanthos. Imagem de Histoire des Plantes Grasses (1799) de Pierre-Joseph Redouté - Biblioteca do Patrimônio da Biodiversidade/rawpixel
Aloe Opuntia Polyanthos. Imagem de Histoire des Plantes Grasses (1799) de Pierre-Joseph Redouté Imagem: Biblioteca do Patrimônio da Biodiversidade/rawpixel

23/03/2022 06h00

Quero falar sobre o amor. Não essa ideia romântica, controladora e seletiva com ares de anacrônica e que, sempre que dizemos esta palavra, vem à nossa cabeça.
AMOR. Algo tão inexplicado, inexperienciado e proibido.
Esse que parece que todo mundo carece, todo mundo procura, mas sempre acaba caindo na mesma ladainha, mesmice imunda que impede o descontrole.
Algo simples, leve, delicado. Que de tão primal aparenta precisar de coisas mais pra enfeitar. No desespero, por parecer que não é o suficiente, vive sufocado na gente pedindo menos.
É vontade de consumir;
É contrato para descumprir;
É desgosto. Tudo isso junto e sobreposto ao singelo e despretensioso AMOR.
Talvez nem mesmo seja esse o seu nome, de tão banalizado. Talvez tenha transicionado e nem viva na cidade grande. Talvez esteja descansando, esperando que a gente perceba que ele não partiu, mas apenas se retirou um pouco para que nos déssemos conta da sua ausência.
Às vezes ele tem passado aqui em casa, naqueles momentos oportunos quando parece faltar a criatividade. Ele, sozinho, junto do seu mundo inteiro, vem, dá um oi e se espreita, fica mirando enquanto a gente se desajeita tentando construir algo sem ele.
Ele tá ali. Ele tá aqui, mas às vezes esqueço também de consultá-lo.
Queria poder falar sobre a gente se amar sem firula, sem nóia ou amargura. Tanta trava no peito impedindo a gente de só se amar. Tanta trava buscando ser amada, mas parece que quase nunca dá. Tanto buraco cavado, esgoto canalizado para acabar com tudo aquilo que já estava ali antes e cheirava bem, e era bonito, e dava gosto...
Queria olhar no seu rosto e dizer que eu te amo sem você construir toda essa lambança na sua cabeça.
Queria dizer que te amo e você só escutar, como um elogio ou uma constatação de que sua presença me agrada, me engrandece, me alivia.
Queria dizer que tudo que me disseram sobre você me parece mentira quando te olho, ou que te amo apesar e com tudo o que sei que não me agrada também, porque isso que sinto é antes, é prévio ou póstumo, é sobretudo e sobre tudo isso que você carrega de contradição.
É uma simples palavra que quero sentir, mas que por tão simples pareço querer enfiar mil sentidos nela, de modo que ela se desfalece.
AMOR.
Quatro desenhos na tela, grafia de síntese que termina torta na língua, mas começa de boca aberta. Me sinto mastigando quando digo.
Talvez seja mesmo alimento.
Talvez seja a falta dele que nos faz ver a fome crescer a cada dia.
Talvez, quem sabe, se a gente se alimentasse melhor, se comesse com a língua e sentisse o suor dessa vida na boca não seria tão difícil irmos direto ao ponto, direto às coisas que realmente importam.
Queria falar sobre amor e de tanto querer já disse tanto, procurei por todo traço e vírgula e ponto pra explicar o que eu sinto e não me espanto: o AMOR tá aqui no meio, no centro de todo canto.