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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A vida pedindo novos quintais

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Imagem: iStock

24/03/2022 11h42

Eu estava andando na rua, sozinha, e foi como se alguém puxasse o ar de dentro dos pulmões. Andei e andei até conseguir respirar de novo. Eu senti um choro preso nos olhos e nas bochechas, mas não sei explicar se isso era algo novo ou algo que já tinha sentido em outro momento.

A gente costuma seguir pelas ruas achando que não temos limites para nada, enfrentamos o tempo, as chuvas e as calçadas que por vezes são demais esburacadas. Andar sozinha é complicado, parece que falta, mas um pedaço nos diz que aquilo é autonomia e liberdade. Sentir falta, agarrar nos amigos para achar que é aquilo que preenche.

Pedir também é complicado. Pedir atenção. Como faz aquela garota de 12 anos, que pede ajuda para qualquer coisa que ela sabe fazer sozinha, mas quer companhia, e nunca consegue atenção. Era exatamente isso, toda vez que pedia atenção era como se abrisse no peito um buraco da vergonha de tirar os amigos do lugar.

Aquela volta no quarteirão, caminhando bem devagar.

Estou aqui escrevendo algo com que talvez você que está lendo a coluna não se conecte. Mas você já se sentiu em um poço? Comecei a usar esse jeito de explicar para quando estou na lama total de energia e tristeza. É meio recente, pode ser culpa da pandemia, na verdade eu tenho procurado um culpado (ou culpada) externo. Na terapia enxerguei algumas pistas.

Eu achava que o trabalho ocupava, não ocupa. Eu achava que sair por aí e encher a cara ocupava, mas não ocupa. Tenho sido uma amiga ruim, egoísta e que fica mudando de humor. Em casa assisto desenho e caio no choro.

Cheguei a me questionar se eu preciso de um namorado, mas tenho pouca esperança nessa opção e pouco jeito de fazer isso acontecer. Então tô deixando essa por último.

A verdade mesmo é que eu fico procurando um pai, um irmão e uma mãe que não existiram e não vão existir. A verdade é que fico andando sem destino, culpando e dando tarefas mentais, achando que se perceberem me salvam de mim. Na verdade, não.

Falar de tristeza é uma coisa terrível, mas ela acontece, volta e meia ela aparece. Imagina só, tristeza? Você possui os melhores amigos, perdeu alguns no caminho por falta de atenção, mas possui alguns excelentes, quase uma família formada ao longo desses anos todos. Tem um ótimo trabalho.

A tristeza nem sempre é um pedido de ajuda, mas é como se eu precisasse me concentrar para não perder a mão de mim mesma. Escapar de mim, mas voltar para dentro. A tristeza é muito solitária, abandono em dia frio e sem bolinho de chuva.

No fundo a gente acha o caminho, acerta a trilha, ouve o barulho da água e das árvores batendo. Mas sabe quando tudo que escreveu sobre isso e sobre a vida fica meio turvo? Achando que a vida precisa de revisão completa na oficina: martelinho de ouro e água no motor.

Amanhã, ao acordar, serei invadida pela consciência de que, outra vez, fiz as perguntas erradas ou desviei do caminho que fazia mais sentido. Nessas horas precisa ligar e dizer "me ajuda", mas hoje não consegui, mas amanhã vou perceber que era possível e justo comigo. Um passo de cada vez, com calma, mas sem olhar para frente para contar os passos que faltam.
Acho que estamos todos precisando de novas temporadas, novos quintais. A vida, com jeito, vai melhorar.