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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O colonialismo pintado de verde

O filme MATA mostra conflituosa relação entre comunidades locais e as gigantes plantações de eucalipto no extremo sul da Bahia - Divulgação
O filme MATA mostra conflituosa relação entre comunidades locais e as gigantes plantações de eucalipto no extremo sul da Bahia Imagem: Divulgação

09/12/2021 14h20

Nos últimos 75 anos, o mundo perdeu mais da metade de suas florestas tropicais. No extremo sul da Bahia, restam apenas 4% da cobertura original da Mata Atlântica. É assim que o filme "MATA" começa, e com o som do vento na floresta e uma música de dar medo ao fundo, mas tudo perfeitamente conectado com o que os povos da floresta vivem hoje para salvar seus territórios.

Caminhamos por 79 minutos de filme e com apenas 4 personagens. Pouco tempo e poucas pessoas para mostrar a complexidade dessa conflituosa relação entre as comunidades locais e as gigantes plantações de eucalipto no extremo sul da Bahia. No final vocês vão conseguir entender que apesar de se tentar uma narrativa "produção sustentável" - o termo que ficou na moda ambiental - os impactos ambientais, sociais e históricos são indiscutíveis.

"Esta é uma floresta morta, um fantasma", conta Rodrigo Santana Mãdỹ, do povo Pataxó, ao caminhar por uma área de cultivo de eucalipto. Cercados pela monocultura, indígenas e agricultores familiares enfrentam os impactos do eucalipto na região. O filme MATA acompanha a trajetória de Rodrigo e Etevaldo Pereira Nunes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na luta pela garantia de seus territórios.

O Brasil é o maior exportador de celulose do mundo e um dos maiores produtores de eucalipto para a indústria de celulose destinada à produção de papel na Europa. Com apenas 4% da cobertura original da Mata Atlântica preservada na Bahia e a substituição da vegetação nativa por "florestas plantadas" de eucalipto, os Pataxó e agricultores vivem em um cenário de seca, rios contaminados, esgotamento do solo e insegurança fundiária.

"Se aqui fosse eucalipto não tinha mais água não. Ia estar tudo seco", conta Etevaldo. Os indígenas aguardam a demarcação de seu território, a Terra Indígena Comexatiba (Cahy-Pequi), sobreposta aos Parques Nacionais do Descobrimento e Monte Pascoal, e rodeada por plantações de eucalipto. Etevaldo, por sua vez, aguarda o título de posse definitivo de seu lote. Por meio da mobilização do MST, 2,1 mil famílias foram assentadas no extremo sul da Bahia e outras 2,7 mil estão acampadas, lutando pelo direito de ter seu lote.

"Quando a invasão colonizadora veio para cá, ela arrancou as árvores, matou o verde, plantou o chão de eucalipto e está matando a terra. A terra não tem mais força, não tem mais poder, não tem um inseto, um besourinho, não tem uma isca, não tem nada vivo. A terra está morrendo onde plantam o eucalipto", denuncia Rodrigo Mãdỹ, em uma plantação ao lado de seu território.

MATA é o primeiro longa-metragem do fotógrafo e cineasta brasileiro Fábio Nascimento, que tem uma vasta experiência na temática ambiental e já realizou trabalhos para a National Geographic, Greenpeace, Médicos sem Fronteiras, New York Times, entre outros. É também o primeiro filme da jornalista norueguesa Ingrid Fadnes, com atuação de muitos anos na América Latina em trabalhos relacionados a causas ambientais e sociais.

O documentário é incrível, um recorte do tempo, um recorte do que está acontecendo em um país abandonado, mas com um governo que tem um projeto claro de colonialismo e morte dos povos da floresta, o extermínio, o genocídio.

Assista ao trailer e acesse o site do filme.

Os diálogos em pedaços de caminhadas dentro da floresta, Etevaldo conta sobre a floresta, fala sobre as árvores, sobre o cheiro do vento. Um olhar atento para dentro de casa, quando se há floresta para chamar de casa. É impressionante e difícil não se emocionar ouvindo as histórias.

Um silêncio, olhar a imensidão a perder de vista de eucaliptos balançando com o vento, parece inofensivo. Expulsando agricultores, desmatando grandes áreas e tudo com a mão de autorização do Estado. Quando foi que a presença da água e das matas viraram produtos descartáveis?

O inimigo também pode ser verde. O colonialismo pintado de verde. Os comedores de terra.