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Mariana Belmont

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chora menina, chora

Yamasan/iStock
Imagem: Yamasan/iStock

18/11/2021 10h31

Eu sempre fui uma menina de choro solto, eu nunca consegui a façanha de segurar o choro ou correr e me esconder para chorar. Eu sempre chorei, talvez por isso eu goste muito das águas, das matas.

Um dia eu acordei bem cedo, depois de uma noite longa de choro. Minha cabeça dolorida, meus olhos vermelhos e uns soluços. Levantei, peguei umas roupas na mochila e esperei uns amigos passarem.

Passamos dias acampados, tomando banho no rio frio, indo e voltando da trilha da cachoeira. A vida sempre me pareceu mais confortável por ali, naquele ambiente. Eu estava segura ali. É certo que na madrugada tinha medo de fazer xixi sozinha.

Voltei para casa e tinha algo diferente em mim, sentei no sofá ao lado do meu padrinho e encostei a cabeça no braço dele e chorei de novo. Era muito bom voltar para casa também e encontrar com ele, era minha sustentação de vida.

A floresta e os rios de Parelheiros sempre foram nossos quintais, mas aí cresci e isso foi ficando mais difícil e longe do meu dia a dia.

Um dia o Corinthians perdeu do Santos - eu assistia a todos os jogos sozinha em casa -, e chorei descontroladamente por muitas horas. Eu não conseguia acreditar. Eu tinha certeza da vitória. Meu padrinho passou pela sala e disse "filha, você sabe o salário desse pessoal? não chora não". Eu só voltei a chorar por futebol de novo em 2012. Meu irmão não conseguiu ver o timão ganhando esse campeonato, nem o mundial depois. Aí eu chorei de alegria e saudade.

Outro dia, eu tinha 10 anos, fui até um supermercado com a minha mãe e preenchemos o papelzinho para ganhar um carro. Saí da Colônia com a certeza que voltaríamos de carro. A gente já tinha ganhado aquele carro, certeza. Eu estava muito otimista, como sempre. A vitória era sempre certa, mas na maioria das vezes só na minha cabeça. Então houve mais choro.

Eu cresci e em um dia depois de voltar da cachoeira eu sentei no quintal com meu padrinho, naquele canto pra cima do pé de limão, e disse pra ele que queria muito o mundo, mas não queria deixar as pessoas. Ele só me disse que eu deveria fazer o que eu sonhava em fazer, do jeito que eu achava que era certo, "não te criei pra viver aqui debaixo das minhas asas".

Eu faço apologia ao choro livre. Escrevo esse texto sentada na padaria, o sol bate inteiro no meu corpo e me sentindo abraçada por ele eu choro. Como chorei em tantos momentos felizes e tristes da minha vida.

Depois de semanas de cansaço, semanas de trabalhar mais de 20h por dia, não dormir, escrever, escrever e fazer o que precisa ser feito. Há semanas tentando encontrar algo dentro de mim também. Entre uma missão pessoal, uma profissional e outra de luta, eu estive segurando o choro. E tenho soltado ele nos últimos dias. Sinto-me escorrendo pelos ombros, como uma cachoeira que vai soltando água para todos os lados, mas com um caminho.

Eu aprendi com o Brasil, com Bolsonaro, que chorar é nosso combustível para avançar. E isso me lembra que meu padrinho disse para voar e abraçar o mundo - claro que é em parte uma poesia abraçar toda essa imensidão. Até a mais pessimista das pessoas acha que se forçar a porta dá, é só conversar direito com ela.

Com meu corpo, coração e mente cansados, queria dizer para você que está chegando neste final de ano vivo: se possível, chore! E chore por todo seu corpo, deixe esparramar, deixe as ondas cobrirem cada pedaço desse corpo.

Chorar me faz inteira, me deixa vulnerável, me faz aprender mais sobre mim, e eu deixo as pessoas entrarem pelo portão. As janelas ficam abertas para os abraços longos, deixa vir. Ouvir samba me faz chorar.

"Mas chora
Chora tens motivo para chorar
Abra o peito é o jeito de libertar
O que está a te sufocar
Chora menina, chora
Quem não chora por amor
Chora menina, chora
Pra expulsar a tua dor...
" - Fundo de Quintal