Topo

Mariana Belmont

As cidades não aceitam o corpo gordo

Mariana Belmont

28/01/2021 04h00

Qual o tamanho de um corpo para caber em uma cidade como São Paulo ou outra qualquer?

Nesta semana, São Paulo completou 467 anos. Uma cidade de contrastes: que encanta e atordoa, que acolhe, mas também distancia - física e emocionalmente.

Tenho muitos cantinhos preferidos e queridos nessa cidade. Mas para dizer bem a verdade, São Paulo nem sempre recebe meu corpo. Alguns lugares não me cabem - da catraca de ônibus aos olhares e piadas nas ruas.

Foi um longo caminho para aceitar e gostar mais do meu corpo. Ainda não sou completamente amiga dele, mas hoje tenho muito mais amor, carinho e entendimento. Na escola eu ficava imaginando que se algum menino quisesse ficar comigo, faria escondido debaixo da escada. Quando o assunto era a rua - ou seja, quando a parada era pública - eu me comportava como amigona dos meninos e confidente das meninas, e, dentro mim, muitos amores platônicos.

Ao andar com a minha mãe, ela sempre enunciava o quanto o meu corpo não cabia no mesmo espaço que o das pessoas 'comuns' e o quanto aquela cidade não me aceitava, nem aceitaria, se eu não fosse de outra forma. "As pessoas e as ruas são cruéis, Mariana", ela dizia.

Aos 17 anos, ela me levou em um médico longe de casa e foi ali que minha jornada contra a balança começou. E lá ia eu…

Meu processo para emagrecer foi à base de muito remédio tarja preta, pouca comida, dores no estômago e perda de concentração nas aulas. Mas nada mudou: a ansiedade e a pressão eram tamanhas, que eu engordei mais e passei a não caber mesmo nos lugares e a realmente não servir para algumas tantas pessoas. Não, eu não passo em algumas catracas, porque tenho o quadril largo demais, o assento do avião é pequeno, e, por isso, me olham como se estivesse atrapalhando.

Hoje eu não me escondo mais. Isso porque eu leio sobre o assunto e acompanho muitas mulheres que produzem conteúdos sobre gordofobia. Aliás, esse nunca foi meu tema de interesse central, mas sou uma mulher gorda, e uma mulher gorda nunca é a escolha óbvia em relações amorosas, nunca é a mulher amada, mas sempre a mulher objeto - que dá suporte e suporta tudo, justamente porque a olham como "o que sobra".

Não ser uma mulher padrão me custou viver relações abusivas, humilhações em transporte público e ser alvo de piadas sem graça de pessoas que se diziam amigas. Tudo isso (e muito mais) me fez achar que era normal passar por essas múltiplas violências, afinal, eu merecia viver aquilo. Só para você ter uma ideia, uma vez, um chefe me chamou para um café e perguntou quais eram as minhas dificuldades para emagrecer, porque ele tinha uma pessoa na família assim e achava puxado demais ser gorda.

Antes eu sentia vergonha, me cobria. Hoje eu me sinto cada vez mais bonita, porque entendo os processos do meu corpo, me alimento bem, faço exercícios físicos e meus boletos estão todos pagos.

No começo da semana, a jornalista Jéssica Balbino fez um post que circulou nos perfis de influencers gordas e magras:

"É verdade. Odeia. Odeia com força. Tem nojo. Tem pavor. Medo de se contaminar. Você tem mais medo de engordar do que de morrer. Mais medo de não caber nas próprias roupas do que de agonizar sem oxigênio. Mais medo de se tornar o corpo que você tem aversão do que de deixar de existir, afinal, você sabe que contribui para transformar a vida das pessoas gordas em algo quase insuportável".

O debate está colocado há tempos - nas redes, nas ruas, nas casas -, mas essa semana muita gente se posicionou. A influenciadora digital Liliane Amorim estava internada na UTI desde o último dia 17 por complicações de uma cirurgia de lipoaspiração, morreu na manhã do último domingo, 24. Ela, que tinha 26 anos e deixa um filho, estava internada no hospital Unimed de Juazeiro do Norte (CE).

E, também, foi por isso que na coluna de hoje resolvi trazer esse assunto que atravessa a nossa existência na cidade e no mundo. Qual corpo queremos, um corpo livre e político, ou um corpo que precisa ser amarrado, apertado, machucado e inviabilizado para poder existir no mundo?

Nenhuma criança merece ser pressionada para ter um corpo padrão, um corpo magro. Ninguém deveria perder a vida em busca de um corpo que nunca será ideal.

Meu corpo gordo saúda seu corpo gordo. Eu desejo que você desfile seu lindo corpão pelas ruas, que se sinta mais confiante em ser você em qualquer espaço e que busque seu direito de existir neles. Meu direito de usar a roupa que eu quiser e me sentir confortável. Não serei mais abusada, violentada, humilhada e excluída dos espaços.

Eu desejo que as cidades sejam realmente feitas para as pessoas, para qualquer pessoa.