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Mara Gama

REPORTAGEM

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Unicamp aprova projeto estratégico que cria rodoanel para animais

O veterinário Paulo de Tarso e Cristina Harumi, da Associação Mata Ciliar, em uma ação conjunta de resgate e soltura de um veado catingueiro na Unicamp - Acervo Cema
O veterinário Paulo de Tarso e Cristina Harumi, da Associação Mata Ciliar, em uma ação conjunta de resgate e soltura de um veado catingueiro na Unicamp Imagem: Acervo Cema

26/05/2022 06h00

Três animais eram atropelados e mortos por semana no campus da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) até 2012. "Chegou ao ponto de descobrirmos a existência de alguns tipos de gatos selvagens na região só através dos bichos atropelados. Uma tristeza", conta o veterinário Paulo de Tarso, do Centro de Monitoramento Animal da Unicamp (Cema), da Divisão do Meio Ambiente que integra a Prefeitura Universitária do campus.

"A ideia de proteção da conectividade entre as áreas onde os bichos existiam veio daí", conta Tarso. Para atacar o problema naquela época, ele começou uma campanha para o combate à mortandade nas escolas onde estudavam filhos de professores, de funcionários e de alunos. Levou o assunto ao departamento de trânsito, que topou proteger os bichos, colocou placas em locais de maior incidência de mortes e fez um cercamento parcial das Áreas de Preservação Permanente (APP) do campus, para que os animais pudessem circular sem chegar a avenidas com movimento. Um ano depois, os atropelamentos haviam caído 70%.

"A partir dali começamos a propor outras intervenções para conectar os fragmentos de mata que estavam separados por avenidas". Foram plantadas milhares de árvores de espécies nativas, estabelecendo vias de comunicação seguras entre essas áreas, com cercas, locais de manejo para as equipes de rega e manutenção. Com o adensamento da mata, os fragmentos foram ficando cada vez mais próximos, conta Tarso.

A experiência vitoriosa foi a semente de um plano ambicioso que a Unicamp acaba de aprovar como projeto estratégico, com verba de R$ 6 milhões. É o Projeto Corredores Ecológicos no Campus da Unicamp e Região, que tem a participação de vários setores da universidade. Os corredores vão conectar remanescentes de mata nativa na região da Fazenda Argentina, área de 1,4 milhão de metros quadrados que foi comprada em 2014 pela universidade. O plano também prevê a recuperação das nascentes da região, importante para prover água para os animais.

coruja - Acervo Cema - Acervo Cema
Coruja que vive no campus da Unicamp
Imagem: Acervo Cema

Estão previstos a criação de 217 mil m² de corredores ecológicos, com 300 mil m² de área de plantio, 92 metros de passadores de fauna subterrâneos, aéreos e em nível, e 6,5 mil metros de cercamentos de corredores.

O plantio para regeneração das áreas que sofreram danos com ocupações antigas vai começar no segundo semestre deste ano. Quando o projeto estiver implantado, em 5 anos, será "um momento maravilhoso" em que haverá melhores condições de sobrevivência "para as espécies que vêm resistindo bravamente a todas as intervenções humanas negativas", diz Tarso.

"Há 18 anos fazemos monitoramento da fauna do campus, tanto da migratória, que passa aqui, descansa, se alimenta e segue, como da residente", conta o veterinário. "Durante o dia, as espécies maiores não se mostram. Mas conseguimos detectar pelas pegadas e com armadilhas fotográficas". Exemplos? "Uma onça parda com filhote na porta de minha sala, às 4h da manhã, um lobo-guará subindo a avenida Marechal Rondon em direção à Faculdade de Engenharia Agrícola, guaxinins e cachorros do mato, tatus, gambás, e até pacas, que tinham sido consideradas extintas na região já foram vistas", conta Tarso. Isso sem contar "uma infinidade" de aves, que utilizam as APPs para nidificação e reprodução. "É uma fauna que muitas pessoas não veem, porque estão olhando o celular o tempo todo, mas que convive com elas".

Os corredores servem para preservar e incrementar a fauna e a flora, permitindo que os animais que estavam restritos a fragmentos de mata circulem de forma mais segura para ter acesso à água, acasalar com outros indivíduos fora de seus núcleos originais e dispersar sementes, aumentando a biodiversidade e evitando a degeneração ambiental.

O projeto está em fase de detalhamento técnico e de custos e mobiliza uma equipe multidisciplinar com arquitetos, engenheiros, geógrafos, biólogos, veterinários, e consultorias para obras específicas, como as passarelas e túneis para a travessia animal, e ao longo de seu desenvolvimento vai envolver outras áreas. "Quando apresentamos o projeto ao reitor, há algumas semanas, ele conclamou todos os diretores a participarem e utilizarem o plano para os diferentes tipos de assuntos que estão na academia", conta Tarso.

Uma das estruturas da universidade que atua no projeto é o Hids, o Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, que foi criado após a compra da fazenda Argentina para organizar o que a universidade chama de "laboratórios vivos". O Hids pretende ser um modelo internacional de distrito inteligente e sustentável, explorando o uso misto do solo, com boas práticas de planejamento e a preservação e conservação do meio ambiente. Entre os projetos para a área estão promover coleta, tratamento e reciclagem de resíduos sólidos, garantir a emissão líquida zero de GEEs (gases causadores do efeito estufa), uso racional da água, uso de energia limpa e utilizar veículos autônomos.

"Dentro do campus, as APPS já estão cercadas e delimitadas. Na fazenda Argentina a urbanização da área será feita em equilíbrio com os corredores ecológicos", conta Gabriela Celani, professora do departamento de Arquitetura e Construção e coordenadora do projeto físico-espacial do Hids.

"Vamos criar conexão entre as bacias do Ribeirão das Anhumas e do Ribeirão das Pedras, uma espécie de rodoanel dos animais, como diz o Paulo de Tarso", conta Gabriela. "Após a delimitação dos corredores ecológicos, começará a fase de enriquecimento da mata. Os corredores formarão uma espécie de ilha e faremos passagens em túneis, para capivaras, cotias, onças; e por cima para macacos, por exemplo", diz.

"Ao fim do projeto, teremos os corredores cercados, exemplares de mata nativa em desenvolvimento nos corredores, passadores de fauna", conta. "As diferentes faculdades estão sendo incentivadas a olhar cientificamente para esse território e fazer estudos. A Embrapa informática, que está também no campus, deve fazer um projeto de monitoramento dos animais com câmeras nos corredores", diz Gabriela.

mapa - Reprodução - Reprodução
O trajeto do corredor na área do Campus publicado em diário oficial do Município de Campinas em 2016
Imagem: Reprodução

O projeto que une vários setores transcende também os limites da universidade. "Nossos corredores de fauna da Universidade vão se ligar aos corredores do município, estabelecendo uma área de conectividade gigantesca", comemora Tarso.

Já em junho de 2016, a Prefeitura de Campinas estabelecia seu plano verde para a macrorregião que mencionava conectar áreas "facilitando o fluxo genético entre populações" em um corredor que une a Mata Santa Genebrinha e a APP Ribeirão das Anhumas. Em 2018, foi criado o Programa Reconecta RMC, assinado pelos 20 municípios para cooperação, abordando proteção animal e a conservação das APPs com a recuperação de matas ciliares, proteção, recuperação de nascentes e formação de corredores ecológicos.

"O projeto dos corredores vai gerar impacto positivo na qualidade de vida das pessoas que vivem no entorno. Temos esperança que se desdobre em muitos outros", diz Tarso. "Obviamente teremos muito trabalho pela frente para manter essa cobertura florestal sadia, controlar pragas, prevenir incêndios", observa.

"O plano vem conquistando corações. Ainda mais nesse momento do Brasil em que o meio ambiente tem sido tão desprezado e tratado com tanto pouco carinho e atenção, acho que a gente da academia tem de fazer nosso papel, como um contraponto a tudo isso", afirma Tarso.

A base cartográfica dos corredores e da área de expansão pode ser vista no trabalho do geógrafo Vanderlei Braga.

A Unicamp está entre as 200 universidades mais comprometidas com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo ranking da consultoria britânica Times Higher Education (THE) que avaliou 1.406 instituições de 106 países. No Brasil, está em segundo lugar, precedida pela Universidade de São Paulo (USP).