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Mara Gama

REPORTAGEM

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Vila de Perdizes cria compostagem comunitária

O médico Guilherme Esher deposita lixo orgânico na composteira comunitária instalada na vila onde mora, em Perdizes - Caio Lazaneo
O médico Guilherme Esher deposita lixo orgânico na composteira comunitária instalada na vila onde mora, em Perdizes Imagem: Caio Lazaneo

Colunista do UOL

13/05/2021 06h00

O isolamento obrigatório por causa da pandemia até ajudou. Por opção, de março a novembro de 2020, o grupo de moradores manteve os funcionários da portaria afastados do trabalho e, por causa disso, teve que resolver vários problemas práticos, como organizar a coleta do lixo nos horários certos e instalar interfones ligados aos celulares.

As conversas para enfrentar as dificuldades da nova logística comunitária se intensificaram e ajudaram a estreitar as relações entre os habitantes de 23 casas da vila onde moram em Perdizes.

Há dois meses, os vizinhos Caio Lazaneo, professor de cinema, e Guilherme Esher, médico cardiologista e homeopata, começaram a pensar em fazer compostagem no espaço da vila, que tem canteiros e muitas plantas - o que garante uma boa produção de folhas secas, necessárias para o processo.
"Um dos prédios da vizinhança fazia compostagem conjunta e me interessei por estruturar um projeto", conta Caio. Ao mesmo tempo em que difundia a ideia entre no grupo dos vizinhos, consultou uma empresa especializada.

O orçamento recebido para a fabricação e instalação do sistema excedia o imaginado. "Resolvi pedir conselho nas redes sociais sobre como poderíamos fazer nós mesmos uma composteira e implantar", conta Caio. A ajuda veio rapidamente, em mensagens e links, de uma pessoa bastante prestativa, que informou que fazia compostagem em casa e recebia os resíduos de 22 vizinhos.

Caio começou a conversar com o agora consultor, mas não imaginava, no entanto, que as informações recebidas partiam de um dos maiores especialistas de compostagem no Brasil, o professor Germano Guttler, da Universidade do Estado de Santa Catarina, idealizador e divulgador do projeto Lixo Orgânico Zero, da cidade de Lages.

A técnica que ficou conhecida como Mini Compostagem Ecológica (MCE) e também Compostagem de Lages é empregada para compostar com canteiros e hortas no mesmo local. Implantado com sucesso nas escolas da cidade de Lages (SC) para criação de hortas e cultivo de flores e jardins a partir de 2012, o projeto foi chancelado pelo selo Educare, do Ministério do Meio Ambiente daquela época, que indicava as ações ambientais mais destacadas no tratamento de resíduos no país.

"Participo de muitos grupos de compostagem. Deu para ver que eles queriam resolver os resíduos orgânicos e por isso não recomendei nosso método, que envolve hortas, mas um sistema mais simplificado, das composteiras de tela, que conheci muito tempo atrás como composteira da Nova Zelândia, igual à que tenho em casa" conta Germano.

"Ela é muito fácil. Na parte de cima, onde você vai colocando os resíduos, acontece o processo de termofilia [a temperatura fica acima de 45°C e ocorre decomposição pela ação de microrganismos, além da liberação de calor e vapor d'água]. Da metade para baixo, como a temperatura permanece mais baixa, vêm as minhocas direto do solo. É o melhor dos dois mundos", diz. "Tenho em casa também. Ela não faz sujeita em volta, não dá trabalho, não vai mais folha para o lixo e o processo é rápido", aconselha.

"O que se erra muito em compostagem é oxigenação. Como essa é vazada, isso está resolvido. Tem de ser em cima da terra, claro, para que os microrganismos e as minhocas venham de baixo", afirma Germano.

Com a adesão dos moradores de 18 das casas e as orientações do professor Germano, Caio e Guilherme partiram para desenhar o projeto, adaptando ao local da vila.

O grupo formado pelos moradores, "Compostagem da Vila", contratou um jardineiro para remover plantas de um canteiro, comprou material para as caixas, pás, um coletor de 160 litros, baldes plásticos para todas as casas e serviços de impressão para material de comunicação que foi afixado nas composteiras. Os cubos de telas têm 70 cm por 1m x 1,2m, e aberturas numa das laterais na parte inferior, para facilitar a retirada do composto sólido já preparado.

Compostagem - Caio Lazaneo - Caio Lazaneo
Baldinho que cada morador leva para casa para acumular resíduos orgânicos e levar para a composteira
Imagem: Caio Lazaneo

A obra toda ficou rateada entre as 18 casas que já aderiram por quatro parcelas de R$ 47. Caso os demais moradores se juntem, o preço pode ainda baixar.

Os ganhos são muitos. Imaginando que cada casa tem ao menos duas pessoas, sabendo que a média de geração de lixo doméstico (RSU) por pessoa em São Paulo é de 1,3 kg e que ao menos 50% desses resíduos são orgânicos, dá para calcular que a composteira vai receber 23,4 kg por dia e cerca de 700 kg de lixo orgânico das casas por mês. Esse peso deixará de ser coletado pelo serviço municipal.

Além dos resíduos das casas, a composteira tem de ser alimentada por material seco: galhos, podas de árvores. "Para a carga inicial de folhas secas, a gangue das crianças da vila, que vai de 3 anos a 14 anos, se encarregou de coletar", conta Caio. O serviço de coletas de folhas, garante Caio, ficará por conta das crianças.

Se todas as pessoas fizessem o mesmo que os moradores dessa vila, o gasto com a aterragem dos resíduos de uma cidade cairia pela metade, os aterros durariam o dobro do tempo, as emissões de carbono cairiam e as pessoas teriam adubo gratuito para seus jardins. No sábado, dia 8 de maio, os vizinhos estrearam a composteira com uma live com a presença de Germano. "Foi ótimo ver todos animados", disse o professor, que defende sistemas comunitários, para tratamento dos resíduos nas proximidades das moradias.