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Bianca Santana

Guilherme e Floyd, Minnesota é aqui

Policial aponta arma durante operação na Rocinha e testemunha grita que ameaçado é morador - Reprodução/Redes sociais
Policial aponta arma durante operação na Rocinha e testemunha grita que ameaçado é morador Imagem: Reprodução/Redes sociais

16/06/2020 09h39

Guilherme Silva Guedes, de 15 anos, estava na frente da casa da avó na Vila Clara, zona sul de São Paulo, quando foi levado por dois homens armados. Segundo moradores do bairro, um dos homens era policial militar e trabalhava como vigia em um galpão que foi assaltado recentemente. O corpo de Guilherme foi encontrado com marcas de tortura e ferimentos de bala na cabeça e em uma das mãos.

No final da tarde de ontem, 15 de junho, moradores da região tomaram as ruas em protesto. Gritando "assassinos", queimaram pneus e ônibus na avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira. A polícia militar disparou bombas e tiros de borracha para coibir a manifestação. E depois de encerrado o ato, ocupou o bairro com um caminhão-blindado do Batalhão de Choque e abordagens policiais violentas, muitas delas registradas em vídeos de celular. Em uma das imagens, um homem sozinho, com um celular nas mãos, é acuado contra um carro e recebe um golpe na cabeça, antes de ser derrubado no chão. Em outra, um jovem vira para a parede, abaixa a cabeça, abre as pernas e levanta os braços, esperando ser revistado, quando recebe pontapés e socos de um policial.

"Zona sul está tomada pelo choque, não tem mídia, muitos abusos, muitos jovens em risco", recebi na mensagem de uma moradora. "Estão abusando mesmo. Eu vi com meus próprios olhos, daqui da laje, a polícia agredindo todo mundo", confirmou um morador. Que padrão operacional da polícia é esse? O mesmo que, ilegalmente, tortura e assassina pessoas negras todos os dias, em todo o país?

Apenas em 2017, as ações policiais mataram 1.127 pessoas no Rio de Janeiro, 940 em São Paulo, 668 na Bahia, 388 no Pará. Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal proibiu a realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia, e um dia depois a polícia entrou atirando no Complexo do Alemão. Entre janeiro e março deste ano, a polícia militar de São Paulo matou 255 pessoas, uma a cada oito horas e meia, um recorde mesmo para uma das polícias mais violentas do mundo. Dentre as pessoas executadas que tiveram a cor de pele registradas nos boletins de ocorrência, 64% eram negras. Alvos do genocídio.

"Nós não gostamos do modo como vocês, policiais, têm feito mau uso da lei e maltratado o povo. Vocês são funcionários públicos, o que significa que todo o povo - todo o povo - delegou a vocês a tarefa de garantir a segurança das pessoas no exercício diário de seus direitos", explicava o texto "Aos Policiais Racistas", publicado no Jornal dos Panteras Negras, em maio de 1967. "O Partido Pantera Negra para Autodefesa tem sido convocado pelos gritos, pelo sofrimento e pela dor do povo. Nós estamos aqui para civilizar vocês. Nós estamos aqui para ensinar vocês a amar e a servir as pessoas com uma atitude humilde e fidedigna, consistente com a sua posição".

A mesma convocação está nos gritos de sofrimento dos familiares de Guilherme, João Pedro, Ágatha, Luana, Marielle; no grito de dor das Mães de Maio e do pai em luto que fincou novamente na areia as cruzes em homenagem às mais de 40 mil vítimas de Covid-19. É hora de interromper o ódio e ensinar a polícia a amar e a servir o povo. Como consta na agenda para incidência política da Coalizão Negra por Direitos, ironicamente no número 17: hora de exigir "o fim da militarização das políticas de segurança pública em nossas comunidades, para que se proíba o uso da violência racial que tem produzido altos índices de homicídios contra a população negra; a promoção de políticas de segurança pública baseadas em Direitos Humanos".

Enquanto houver racismo, não haverá democracia. Basta de genocídio.