L200 Mustang? Como é rodar em uma picape preparada para o Rally dos Sertões

Quem olha de fora pode pensar que ser navegador é a experiência mais fácil que se pode ter no mundo das competições. Esta repórter, aliás, já tinha feito tal papel, há cerca de 15 anos, durante uma prova off-road. E não o considerou um grande desafio.

Porém, após viver a experiência em velocidade de Rally dos Sertões, a conclusão é de que trata-se de uma das atividades mais difíceis do universo das corridas. Navegar em uma competição off-road exige um nível de concentração absurdo, e até resistência física.

A Mitsubishi está de volta à edição de 2023 do Rally dos Sertões, a principal competição off-road do Brasil. Leva ao Nordeste uma equipe de cerca de 20 pessoas, que ficarão responsáveis pelo protótipo L200 Sport Racing, com Guiga Spinelli ao volante e Paulo Fiúza na navegação. A largada promocional, que marca o início do evento, será em 11 de agosto, em Petrolina (PE).

Além do protótipo principal, a Mitsubishi terá algumas L200 Sport R, mais próximas da picape original, no rally. Uma delas será usada por celebridades e formadores de opinião, como o apresentador Luciano Huck.

Para mostrar como é a vida e a experiência na competição, a Mitsubishi convidou UOL Carros para uma experiência imersiva às vésperas do Rally dos Sertões. Ela ocorreu na Fazenda Velocittà, ao lado do autódromo de mesmo nome, em Mogi Guaçu, interior de São Paulo.

É lá que a equipe comandada por Spinelli vem treinando para os Sertões. De lá, os carros saíram na segunda-feira (7) rumo a Petrolina, para o início da competição. A experiência incluiu churrasco, que costuma ser o principal alimento de pilotos, navegadores e equipe no evento, e tour no motorhome que será a casa de Spinelli e Fiúza na jornada.

O ponto alto, no entanto, foi a experiência da repórter de UOL Carros tanto como piloto quanto como navegadora. Antes de entrarmos em detalhes, no entanto, vamos conhecer a L200 Sport Racing.

O protótipo dos Sertões

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Imagem: Divulgação
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Apesar de ser baseada na L200, e de levar o nome do veículo da Mitsubishi, a picape de corrida Sport Racing não tem nada do modelo de rua. É diferente até no visual. Já nasceu como um protótipo de corrida, com chassi tubular, carroceria de fibra de carbono e muitos detalhes de kevlar (material usado em blindagem de veículos).

O protótipo foi preparado por André Bresser, que é também chefe da equipe Mitsubishi. Entre os destaques, há os amortecedores com 280 mm de curso, dois por roda. O importantíssimo estepe (afinal, pneus furados são comuns) fica logo abaixo do assoalho, do lado do navegador.

O câmbio é sequencial de seis marchas, comum nos modelos do rally. De acordo com Spinelli, é mais fácil de usar que o manual de seis marchas que está nos modelos da Mitsubishi Cup. Ganha-se tempo com ele.

As normas do Rally dos Sertões estipulam que o motor deve ser original. Ou seja: disponível em um carro de rua. No caso da L200 Sport Racing, o escolhido foi um 5.0 V8 aspirado. Trata-se do propulsor Coyote que está no Ford Mustang, e também na picape F-150.

"A potência é de cerca de 420 cv", explica Bresser. E poderia ser mais, se fosse permitido pelo regulamento. "Há um restritor de ar de 37 mm. Caso contrário, a potência passaria dos 500 cv." O propulsor tem posição central e está bem próximo à cabine.

Para compensar o alto consumo - afinal, entre especiais e deslocamentos, roda-se cerca de 600 km por dia nos Sertões -, o tanque de combustível tem 480 litros. Ele está posicionado na traseira e é abastecido com gasolina de aviação, segundo Bresser.

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Por dentro, há bancos de competição e muitas proteções, como barras no teto e santantônio. Nada lembra a L200 original. O painel do piloto é uma pequena tela, e quase tudo no painel central é supervisionado pelo navegador.

"No painel central é feito todo o monitoramento do protótipo", diz Bresser. "Dá para monitorar porcentagem dos freios e temperatura dos líquidos e amortecedores, entre outros parâmetros".

Ao volante e navegando

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O dia imersivo ao volante começou na L200 Sport R, a picape da Mitsubishi Cup que tem motor original e câmbio manual de seis marchas. Ela passa por algumas modificações, como a preparação da cabine para competição - com bancos de corrida e proteções.

Antes de assumir o volante, veio a preparação: macacão, balaclava, capacete com hans e sapatilhas. O banco de corrida, repleto de parafusos, é adaptado na hora à estatura do piloto pelo time da Mitsubishi.

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Antes de partir, somos praticamente amarrados ao banco do motorista com o cinto de segurança de quatro pontos. Para ser seguro, temos de ficar bem presos. O fim da preparação inclui uma luva.

Se toda essa proteção já foi cruel no inverno do interior de São Paulo, imagine no sertão nordestino. Navegador de competições off-road e presença confirmada nos Sertões, Fábio Pedroso, que acompanhou a reportagem na L200 daq Cup, contou que no rally os competidores passam pelo menos sete horas por dia naquela situação.

A primeira etapa do dia foi para aprender a navegar. Primeiro, fomos ao volante, mas foi solicitado que mantivéssemos velocidades até 60 km/h. Pedroso foi dando as coordenadas: as principais são se a curva é à direita ou à esquerda e em quantos metros vai surgir.

"Não corte" significa que a curva deve ser feita pelo centro, pois há obstáculos na lateral. Lomba é lombada. Alto é subida sem visão a seguir. Pedroso conta que a linguagem das coordenadas vai sendo trabalhada entre piloto e navegador. A partir do entrosamento que têm, podem desenvolver a própria maneira de instrução dos comandos.

O roteiro é entregue ao navegador, que não conhece o caminho, pela organização dos Sertões, em briefings diários. Após ocupar o volante, chegou a vez de a reportagem navegar. Após algumas confusões iniciais, tudo pareceu muito fácil a 60 km/h. Logo mais, descobriríamos que não era.

Na velocidade dos Sertões

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A próxima etapa foi ir no banco do navegador com Guiga Spinelli ao volante, no protótipo Sport Racing. A ideia era navegar, mas o próprio Spinelli recomendou deixar isso de lado, e aproveitar a experiência.

O protótipo tem ar-condicionado, com refrigeração entregue por dois dutos na coluna A. De acordo com Spinelli, a picape perde potência, e o consumo aumenta. "Mas já foi comprovado que traz ganho de competitividade, pois melhora o conforto físico e, com isso, o desempenho de piloto e navegador."

Na volta com Spinelli, ficou clara a dificuldade do papel do navegador. O piloto conduziu o protótipo a toda velocidade, atingindo a máxima de 170 km/h em três trechos (o total foi de 5,15 km). Essa velocidade é limitada para atender às normas da competição.

Spinelli colocou a picape de lado e entrou e saiu forte das curvas. Foi uma experiência que gerou mais adrenalina do que rodar com um piloto profissional em um carro esportivo, ou de corrida, em uma pista. Isso porque as condições são muito mais adversas.

Há, em primeiro lugar, o fato de as picapes terem centro de gravidade muito mais altos. Some a isso a aderência mais baixa de uma condição fora de estrada. São veículos muito mais fáceis de capotar. Por isso, o Rally dos Sertões exige muita habilidade do piloto, além de extremo conhecimento do equipamento.

Dificuldades

Esse ritmo frenético, quase no limite, é mantido por pelo menos 150 km por dia, durante o Rally dos Sertões. Essa é a quilometragem mínima de uma especial (trecho cronometrado) na competição. Isso não quer dizer que o restante do trajeto seja o momento de relaxar, pois ele pode influenciar no tempo total da prova.

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Um caminho errado, um furo em pneu, uma batida ou mesmo velocidades baixas demais nos trechos de deslocamento podem levar o time a estourar o tempo total.

A experiência mostrou o quão complicado é o papel do navegador. No circuito de demonstração, as curvas estavam separadas por 200 metros, no máximo. A maioria, por 100 m. Em velocidades altas, como as do Rally dos Sertões, essas distâncias são percorridas em segundos.

Isso exige uma grande concentração do navegador para conseguir mostrar a orientação correta, no tempo correto. Ele é a única orientação que o piloto tem. Um erro não é capaz apenas de levar à perda da competição, mas também a um acidente.

Para a reportagem, pareceu impossível navegar a velocidades tão altas. Por isso, um navegador profissional precisa de muita experiência, em primeiro lugar. Mas também de muito talento.

Há ainda os entraves físicos, não relacionados apenas ao calor e desconforto da picape de corrida. Navegar é uma atividade que deixa o profissional sujeito a enjoos - afinal, eles estão lendo uma planilha em um trecho off-road, em que o veículo balança muito.

"É muito difícil um navegador que nunca tenha sofrido enjoos em um rally", explica Spinelli. "Acontece bastante."

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