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Teremos um carro nacional zero emission barato antes de 2030?

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Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/07/2022 15h22

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A eletrificação continua tomando de assalto as atenções porque estamos ansiosos por esse futuro para desfrutarmos de um ar mais limpo, livre ou com o mínimo de CO2. Isto tudo, porém, não acontecerá como um passe de mágica e, para que todos tenham acesso aos veículos ambientalmente mais responsáveis, primeiramente os preços terão que ser muito, mas muito mais acessíveis.

Assim, meu amigo, caia na real e esqueça que nos próximos dez, vinte anos, dirigirá seu próprio carro totalmente elétrico como o Audi e-tron, o BMW iX, o BYD Tan, todos custando acima de meio milhão de reais. Valor que, obviamente, a maioria dos consumidores não estará disposta a pagar para contribuir com o meio ambiente.

Mas isso não quer dizer que demorará muito para termos veículos a preços mais atraentes e muito mais eficientes do ponto de vista das emissões. Esta semana, durante o Congresso AutoData Revisão das Perspectivas 2022, Antonio Filosa, presidente da Stellantis para a América do Sul, reforçou que o plano da fabricante multimarcas prevê, para 2024 ou, no máximo, 2025, produção nacional de veículos que passarão a utilizar a tecnologia mild hybrid, ou híbrido leve: "Teremos como primeira tecnologia o mild hybrid, ou seja, pequenas ou médias máquinas elétricas combinadas com motor a etanol... flex".

Os três pontinhos na fala do presidente não estão ali à toa. Mas antes de entender a sutileza é preciso conhecer todo o plano da maior fabricante de veículos do Brasil, que utilizará sua escala produtiva incomparável por aqui para nacionalizar tecnologias inexistentes e, quem sabe, oferecer algo inédito no mercado: um motor puramente a etanol [que já deveria estar em produção em Betim, MG] com um sistema elétrico leve e bateria de 48V, também nacional.

Filosa diz que até 2030 globalmente a Stellantis tem como meta derrubar em 50% as emissões de todas as suas atividades comparadas com os níveis de emissões de 2021. Ou seja: nos próximos oito anos cortará a metade de sua pegada de CO2. O que não é pouca coisa para a quarta maior fabricante do planeta.

Nesses mesmos oito anos o grupo multimarcas tem o objetivo de oferecer 100% de produtos zero emission na Europa, 50% do portfólio nos Estados Unidos também sem emissões e 20% no Brasil. Mais uma missão que não será fácil por aqui, considerando o perfil do nosso mercado e a deterioração do poder de compra do consumidor.

Para dimensionar o tamanho do desafio em 2021 a Stellantis licenciou pouco mais de 576 mil veículos nacionais das suas marcas. E importou pouco mais de 60 mil unidades, segundo a Anfavea. Para atingir seu objetivo, considerando os números do ano passado, em 2030 a Stellantis deverá licenciar pouco mais de 127 mil unidades com baixíssima ou nenhuma emissão no Brasil. Até lá esse volume deverá ser ainda maior.

Como atingir essa meta sem produtos nacionais e ainda atender outros parâmetros da estratégia global Dare Foward [algo como atreva-se a avançar, em tradução livre]: ser a número 1 em satisfação do cliente - ou seja, atender todos os desejos do consumidor - e dobrar a receita da operação até 2030? Só sendo muito atrevido mesmo.

É aqui que voltamos aos três pontinhos da primeira frase de Antonio Filosa durante o evento de AutoData. Ele argumentou algo que já não é novidade para o brasileiro: para efeito de medição da sua pegada de carbono o combustível etanol é neutro, ou seja, "do poço para a roda os resultados são muito parecidos com os dos veículos elétricos puros".

Além disso o CO2 gerado pelos produtos da indústria automotiva corresponde a apenas 13% de todas as emissões do País: "Então, um híbrido leve, com preços mais acessíveis do que as tecnologias mais avançadas, associado ao etanol, é uma forma de endereçar a solução desses 13% de emissões automotivas".

No dia seguinte ao de sua apresentação em AutoData, quarta-feira, 6, Filosa conversou com alguns dos principais jornalistas automotivos do País. E reforçou a tendência da adoção de tecnologia híbrida leve e o potencial do etanol como alternativa não apenas para o Brasil, mas para outros mercados com potencial para utilizar esse biocombustível:

"Teremos muito em breve um mercado global de 90 a 100 milhões de unidades ao ano. Imaginem a Indonésia, Singapura, Camboja, Vietnã usando etanol. Não são mercados desprezíveis e possuem uma rota de descarbonização semelhante à do Brasil e da América do Sul. Isso sem contar a Índia".

Por óbvio o motor flexfuel, que utiliza gasolina ou etanol em qualquer proporção, é a primeira solução que pode ser combinada com um sistema híbrido leve. Mas percebam mais uma vez a sutileza nas falas de Antonio Filosa. Em apenas uma ocasião ele se referiu ao "flex" [na primeira frase deste artigo] e ainda para corrigir o que havia dito: etanol. Claro que pode ser uma forma muito particular do presidente da Stellantis para se referir aos motores bicombustíveis. Mas também pode ser que não. Que ele esteja sendo, mesmo, bem específico no que pode vir por aí.

Olhando para os produtos disponíveis, consumindo gasolina a eficiência energética pode não ser suficiente para atingir às exigentes regulamentações que virão com a segunda fase do Rota 2030. Ainda é cedo para dizer quais os parâmetros a serem adotados. Hoje o Rota 2030 estabelece menos de 1,67 MJ/km como a meta básica. Existem outras camadas da intrincada norma para veículos que oferecem benefícios extras para produtos que sejam ainda mais eficientes que esse ponto de partida. Tudo isso leva a crer, assim, que haverá uma enorme evolução de parâmetros nas próximas fases do programa.

E já há opções que superam bastante as metas. Por exemplo o Kia Stonic, um compacto importado com motor 1.0 turbo a gasolina e sistema híbrido leve vendido no mercado a R$ 148 mil. Segundo o Inmetro seu consumo energético é de 1,55 MJ/km. O Toyota Corolla Cross Hybrid nacional, com um sistema híbrido-flex mais robusto, tem o consumo energético de 1,31 MJ/km.

Não é um absurdo sonhar, assim, que muito em breve possamos dispor de carros nacionais com preços pouco abaixo de R$ 100 mil e tecnologias de propulsão muito mais eficientes. E, quem sabe, um ousado sistema híbrido leve utilizando somente etanol, praticamente zero emission, que poderá ser exportado para todo o mundo.

Sonhar não custa nada.