Na contramão da Europa, marcas tentam adiar redução de emissões no Brasil
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É revelador como as empresas globais têm posições diferentes em diversas regiões do mundo. Mas por que isso é importante? A resposta está no consumidor cada vez mais atento no comportamento das empresas, principalmente quando são questões relacionadas ao meio ambiente, para tomar suas decisões de compra. Nesta terça-feira, 15, tivemos um exemplo perfeito da discrepância de atitudes e caminhos traçados dentro das mesmas organizações, porém em diferentes lugares do planeta.
Na Europa um movimento sem precedentes colocou do mesmo lado a ciência e as maiores fabricantes de caminhões da região ao estabelecer uma rota para a neutralidade das emissões. É a primeira vez que montadoras como Scania, Volvo, Daimler, Ford, Iveco, MAN e DAF dizem que se comprometem a tornar os caminhões livres de combustíveis fósseis até 2040.
Os CEOs dessas empresas foram convidados pelo Postdam Institute for Climate Impacts Research, PIK, em plena pandemia, para dialogar sobre a necessidade de encarar o desafio de descarbonizar a economia na região até 2050.
Segundo a repórter especial do Valor Econômico, Daniela Chiaretti, que entrevistou Johan Rockström, um dos maiores climatologistas do mundo, co-diretor do PIK e pai da iniciativa, todos os CEOs atenderam ao chamado e firmaram o compromisso. A ACEA, associação que reúne os fabricantes de automóveis, vans, caminhões e ônibus na Europa, participou ativamente do diálogo e liderou o acordo inédito.
Algumas horas separaram a divulgação do comunicado histórico europeu com a reunião de imprensa convocada pela Anfavea, aqui no Brasil, para alertar que talvez não haja tempo suficiente para atender os prazos e as exigências da Proconve L7 para veículos leves em 2022 e o Proconve P8, a nova fase de emissões de caminhões no Brasil, equivalente a Euro 6, que passa a valer em 2023.
As razões para o alerta estão relacionadas aos impactos da pandemia no cronograma de desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias nos produtos. Esse é um argumento válido, mesmo sem sabermos ao certo quanto tempo a indústria propõe para o adiamento ou quais as contrapartidas que as montadoras estão dispostas a negociar com o Conama, que decidirá sobre o pleito das empresas.
Porém chama a atenção que em um mesmo dia as mesmas empresas anunciem caminhos tão diferentes. Isso diz muito sobre como essas organizações enxergam e se relacionam com as sociedades e os governos.
A ACEA disse que "a mudança climática é o desafio mais fundamental da nossa geração. Ao mesmo tempo, a violenta pandemia de covid-19 destacou o papel crucial que o transporte rodoviário e a logística desempenham para garantir que alimentos, medicamentos e outros bens essenciais estejam disponíveis para aqueles que precisam deles".
Henrik Henriksson, presidente do Conselho de Veículos Comerciais da ACEA e CEO da Scania foi além: "Para que o transporte rodoviário de mercadorias mantenha seu papel de servir à sociedade, precisamos nos afastar dos combustíveis fósseis o mais rápido possível. Não apenas estamos convencidos de que é necessário como estamos prontos para que aconteça. Mas não podemos fazer isso sozinhos. Precisamos que os legisladores e outras partes interessadas unam forças conosco".
Em resumo as empresas fabricantes de caminhões europeus assumem compromisso ambicioso e ao mesmo tempo colocam pressão em legisladores e governos para que sejam criados diversos mecanismos nessa nova economia. Estão falando sobre sistemas de tributação com base no conteúdo de carbono para que o diesel passe a custar mais, incentivando os produtos zero emission. E numa ação ainda mais urgente: é necessário que rapidamente se desenvolva rede de infraestrutura para o reabastecimento dessa nova geração de caminhões.
Por aqui o quadro parece de ponta-cabeça à medida que a Anfavea tratou oficialmente como "falácia" pontos levantados pela Associação Médica Brasileira, pela Sociedade Brasileira de Pediatria e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia com relação aos benefícios na manutenção dos protocolos do Proconve para o meio ambiente e à qualidade do ar.
Enquanto do outro lado do Atlântico a ciência foi capaz de mostrar que o calendário está apertado para tomar ações decisivas e que se deve agir já, no Brasil envereda-se para o debate de quem tem razão e quem não tem. E assim vamos celebrando o atraso.
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