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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Saúde mental no futebol: 'Tudo começa na cabeça', diz Raphael Veiga

Raphael Veiga, do Palmeiras, faz terapia há quase três anos Imagem: Abner Dourado/Agif

De VivaBem, em São Paulo

19/04/2024 04h00

Um dia você é o herói. No outro, o vilão. No futebol, basta perder um gol, errar um passe ou falhar em uma marcação para que toda a sua carreira (e talento) perca o sentido para os torcedores. As críticas são pesadas e geram um desafio à saúde mental àqueles que têm que jogar em alta performance.

Antes, o desafio de levar os atletas ao acompanhamento psicológico poderia ser maior do que marcar o gol de um título na final. Ainda há muito tabu e preconceito, além do desconhecimento sobre os benefícios que o cuidado com a saúde mental pode trazer, mas isso vem mudando.

Cada vez mais, jogadores profissionais perdem o medo de falar sobre o assunto. Richarlison, centroavante da seleção brasileira, contou em março, em uma entrevista à ESPN, que queria ir do treino para a cama, porque não entendia o que se passava em sua cabeça. "Cheguei a falar para o meu pai que eu ia desistir. Dá até tristeza de falar, sabe?", disse. Yuri Alberto, atacante do Corinthians, também já falou que a terapia o ajudou em momentos difíceis.

Tudo começa na cabeça, não só no futebol, mas em todas as áreas da vida. O que pensamos é o que nos governa, por isso temos que cuidar dos nossos pensamentos e crenças. Faço terapia há quase três anos e acho muito importante. Raphael Veiga, meio-campista do Palmeiras, com exclusividade ao VivaBem

Levantamento feito pela reportagem mostra que mais de 50% dos times da série A do Brasileirão masculino contam com psicólogo em sua comissão técnica.

Na seleção brasileira, a presença de uma profissional é novidade. Marisa Santiago, que atua no Bahia, foi convocada nos amistosos de março deste ano para acompanhar o time. Antes disso, na era Tite, não existia nenhum profissional responsável por esse cuidado com os jogadores.

Preconceito ainda existe

O psicólogo João Ricardo Cozac, com passagens pelo Goiás, Cruzeiro, Palmeiras e Ituano, diz existir resistência dos atletas em aceitar ajuda psicológica.

Muitos acham que o psicólogo vai descobrir todos os seus segredos. Existe uma banalização e ignorância por não se entender que é uma ciência. João Ricardo Cozac, presidente da Apee (Associação Paulista da Psicologia do Esporte e do Exercício Físico)

Ele também destaca a incompreensão de muitos dirigentes sobre a psicologia. "Alguns técnicos e dirigentes veem o jogador como um aluno de escola. Ele se comporta mal? Manda para o psicólogo", diz. Isso, destaca Cozac, mina o trabalho e limita seus benefícios —entre eles, a redução da ansiedade, aprimoramento da concentração e uso de técnicas que ajudam o atleta a pensar durante o jogo.

"Na época do goleiro Bruno, eu recebi convites de times, e dirigentes me faziam perguntas como: 'Só de você olhar no olho já dá para saber se o jogador pode fazer alguma coisa parecida? Isso recai de novo na banalização do nosso trabalho", diz Cozac.

A psicologia do esporte não funciona como uma terapia. As abordagens priorizam a performance do elenco e, inclusive, podem ser feitas atividades de acordo com a posição de cada jogador em campo. Sessões individuais existem, mas o foco é garantir a unidade do grupo. Ao notar sofrimento psicológico, o profissional do clube encaminha o atleta para um especialista clínico.

Francine Becker, psicóloga do Criciúma há mais de uma década, explica uma dessas técnicas: "Fazemos o acompanhamento do atleta desde a pré-temporada. Se falarmos, por exemplo, de um atacante que não está conseguindo marcar gols, podemos usar a mentalização, que é quando o atleta se visualiza fazendo algo antes de acontecer".

De acordo com ela, claro, isso não garante gol, mas diminui a ansiedade dentro do campo, já que o jogador se viu realizando aquele desejo antes de se tornar uma realidade.

Atuação dentro do clube

Sidão já foi goleiro do São Paulo Imagem: Fernando Alves/Divulgação

O goleiro Sidão, hoje no Azuriz, time que joga a terceira divisão do campeonato do Paraná, e que jogou no São Paulo entre 2016 e 2018, conta que, na sua época de tricolor, a porta da sala da psicóloga estava sempre aberta. O time atualmente não conta com um profissional da área em seu elenco, após a ida de Anahy Couto para o rival Corinthians, em janeiro.

"Tinha atendimento individual sempre que alguém quisesse e era bem particular. A profissional estava sempre à disposição daqueles que queriam conversar", conta. Sidão diz que não era obrigatório e, algumas vezes, havia dinâmicas em grupo para aumentar a interação na equipe.

O goleiro concorda que existe muito tabu em torno do tratamento psicológico. "Acho que é fundamental se consultar com um psicólogo para mantermos nossos sentimentos e pensamentos equilibrados", diz.

Gisele Silva, psicóloga do Palmeiras, explica que atletas mais velhos e líderes que buscam acompanhamento psicológico sem vergonha têm sido uma ferramenta potente contra o preconceito. "Torna-se uma cadeia positiva. Os mais jovens começam a ver os atletas de referência da instituição junto aos psicólogos, passam a aderir ao trabalho e a relatar quando têm problemas. A longo prazo, isso tem um bom efeito", diz.

Psicólogo com passagem pelo Flamengo, Alberto Filgueiras citou que a resistência é mais comum entre os atletas jovens. "Na minha experiência, os jogadores mais rodados, que supostamente seriam aqueles que negariam o tratamento, aceitavam. Enquanto os mais jovens diziam estar bem."

Alguns [jogadores] fizeram trabalho específico, aceitaram, e outros falaram: 'Não, obrigada. Estou ótimo, tenho Jesus em casa'. E não deram continuidade. Alberto Filgueiras, psicólogo

As vantagens dos cuidados

Não é só papinho. O cuidado com a mente reflete no desempenho no campo. "A presença dos psicólogos não garante vitórias, mas a ausência pode ser determinante para a derrota e alguns fracassos individuais e coletivos", diz Cozac.

"Precisamos lembrar que o ambiente do esporte de alto rendimento não deixa espaço para a vulnerabilidade. Os atletas veem isso como algo negativo, já que eles sempre têm que ser uma fortaleza", diz Silva, psicóloga do Palmeiras. Esse trabalho psicológico os ajuda a superar desafios constantes e a cobrança de serem heróis de suas equipes.

"Temos que saber qual é a nossa identidade. Quem somos de verdade, não quem somos por conta dos resultados que atingimos. Minha fé me ajuda muito. Quando acontece algo muito bom ou algo que não foi tão bacana, consigo manter meu equilíbrio e saber que não sou os meus gols, bons resultados e títulos, mas também não sou os meus momentos ruins", explica Veiga.

"A opinião dos outros pode te machucar e elogios podem fazê-lo pensar que é melhor do que realmente é. Quando você faz gol, é craque. Quando erra, é o pior jogador", completa o meio-campista do Palmeiras.

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