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'Tinha enjoos insuportáveis, a gravidez não se desenvolveu e virou câncer'

Mariana passou por uma gestação molar que virou câncer de placenta - Arquivo pessoal / Mariana Freitas
Mariana passou por uma gestação molar que virou câncer de placenta Imagem: Arquivo pessoal / Mariana Freitas

Laís Seguin

Colaboração para VivaBem

17/03/2023 04h00

Mariana Freitas, 25, descobriu que estava grávida. Em seguida, constatou que, na verdade, se tratava de uma gestação molar — complicação rara após a fecundação, em que o tecido da placenta cresce de forma desordenada, dando origem a um tumor. Esse tumor se transformou em um câncer de placenta.

Após mais de um ano de tratamento, Mariana se curou da doença. Ao VivaBem, ela conta sua história.

"Em abril de 2021, fiz um teste de gravidez. Minha menstruação atrasava constantemente como efeito de um remédio que eu tomava. Deu negativo.

No mês seguinte, comecei a passar muito mal de enjoos. Logo imaginei que poderia ser gastrite ou alguma outra doença no estômago, mas não gravidez porque há pouco tempo tinha feito um teste. Mas a dor não passava.

Precisei ir ao pronto-atendimento e acabaram identificando algo no meu útero. Fiz um exame beta HCG [um exame de sangue que mede um hormônio presente na gravidez] e um ultrassom. Neste ultrassom, era possível ver resíduos no meu útero.

Só tinha duas opções: ou estava no começo de uma gestação extremamente recente ou em um processo abortivo

Em nenhum momento, tive sangramentos, então a primeira opção era a mais 'aceitável'. Para confirmar isso, me orientaram a fazer um segundo exame de beta HCG em dois dias. Se aumentasse, eu estaria grávida. Se diminuísse, estaria abortando.

Eu não estava planejando, tinha acabado de começar em um novo emprego, mas sempre quis ser mãe e cedo. Então, foi uma mistura de susto com felicidade.

'Não tinha batimento'

Quando eu fiz o segundo exame de beta HCG, ele tinha praticamente duplicado de resultado. Eu estava grávida e precisaria esperar mais dez dias para fazer outro ultrassom, ouvir o coração do bebê e saber a exata idade gestacional.

Pelos meus cálculos, era algo em torno de três semanas, mas eu tinha enjoos insuportáveis. Esse era o único sintoma meio esquisito.

Quando fiz o ultrassom, a médica, de forma bem fria, me perguntou se eu estava acompanhada e logo disse que não tinha batimento cardíaco. Então, eu logo pensei: 'ok, o bebê não se desenvolveu'.

Foram apenas dez dias, mas o suficiente para eu idealizar o meu filho

Pensei então que, se eu estava em um processo abortivo, ou ele estava retido (pois não havia sangramento) ou tinha algo estranho. Naquele mesmo dia, vomitei demais.

Decidimos ir a uma emergência obstétrica para entender o que estava acontecendo.

O primeiro diagnóstico

Fizeram novamente um ultrassom e constataram que eu tinha uma gestação molar. Era possível ver várias bolinhas no meu útero, como se fossem cachos de uva [essa massa no útero é chamada mola].

Me internaram para fazer uma aspiração [em que se remove o conteúdo no útero por meio de uma sonda com um dispositivo de sucção].

Sempre tento ser racional sobre o que não tenho controle. Então, só pensava: preciso fazer o que tem de ser feito.

É uma forma de tentar ter domínio das minhas emoções e principalmente de não surtar. Só que a essa altura, eu fazia pesquisas e só aparecia 'câncer'

'Tive todo amparo'

2 - Arquivo pessoal / Mariana Freitas - Arquivo pessoal / Mariana Freitas
Contagem de beta HCG da Mariana, da internação até a alta
Imagem: Arquivo pessoal / Mariana Freitas

Após o primeiro esvaziamento do útero, fiquei um mês acompanhando o beta HCG semanalmente. Abaixou três vezes e depois voltou a subir [o que era um mau sinal].

Nesse momento, fui encaminhada ao centro de pesquisa da maternidade-escola da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Já cheguei lá com o diagnóstico do câncer de placenta [em alguns casos, a massa formada na gestação molar pode evoluir para um câncer]. Minha gravidez não se desenvolveu e se tornou um câncer.

Falando assim, parece bem frio, mas, nesse dia, fui recepcionada por uma psicóloga e tive todo o amparo do mundo.

Tratamento

Fui convidada a participar de uma pesquisa que a escola-maternidade estava realizando, guiada pelo professor Antônio Rodrigues Braga Neto e produzida pelo seu aluno de doutorado, Marcio Barcellos.

Essa pesquisa dizia que 50% das mulheres que fazem uma segunda aspiração no útero podem não precisar de quimioterapia.

Se eu tivesse a chance de fazer um segundo esvaziamento, não precisaria ir para uma quimioterapia e ainda poderia ajudar outras pessoas... Eu não pensei duas vezes

Eu fiz o segundo esvaziamento do útero e meu beta HCG começou a diminuir até zerar [o que indicava a eliminação do problema]. O segundo esvaziamento eliminou o tumor.

Viver o luto materno

Só fui viver o luto um ano depois. Um dia, estava em casa e sonhei que perdia um bebê. Acordei e aquilo tudo veio como uma grande avalanche.

Fiquei alguns dias muito mal, pensando que não sofri o meu luto de verdade. Me culpando como se aquilo não tivesse sido importante para mim. Mas, na verdade, foi um mecanismo de defesa. Eu só foquei no que precisava ser feito

Sentir que não tive culpa em nada do que aconteceu é um processo diário. Não digo que não tenho medo de que isso tudo aconteça de novo. Mas me sinto privilegiada, pela minha rede de apoio e por ter tido acesso a profissionais tão especiais."

Mariana - Arquivo pessoal / Mariana Freitas - Arquivo pessoal / Mariana Freitas
Dia da alta hospitalar de Mariana; tratamento foi feito em escola-maternidade
Imagem: Arquivo pessoal / Mariana Freitas

Gestação molar e câncer de placenta

  • A gestação molar é bastante rara e ocorre quando há uma proliferação nas células que compõem o tecido da placenta. Segundo o ginecologista Alessandro Scapinelli, a cada mil gestações, há um caso de mola.
  • A detecção do problema é feita pelo ultrassom. Em caso de mola, os valores do exame beta HCG também ficam elevados. "Se tem muita atividade proliferativa na placenta, encontramos um valor muito alto do HCG."
  • Enjoos excessivos, como o que sentiu Mariana, tem relação com a elevação rápida do hormônio HCG. Os enjoos, no entanto, não são um parâmetro para identificar o problema. Gestações normais também causam enjoos -- e isso não indica qualquer problema.

Vomitar muito não é, em nenhuma hipótese, um critério diagnóstico para a gestação molar
Gilberto Nagahama, ginecologista no programa Parto Seguro do Cejam (Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim)

  • Nem toda mola vai virar um câncer. "O risco de malignização, de transformação para um câncer, pode variar", explica Scapinelli.
  • Se é detectado o câncer, o tratamento pode ser com quimioterapia. No caso do tratamento de Mariana, a quimioterapia não foi necessária -- ela passou por uma segunda aspiração no útero e melhorou.