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Paola Machado

Passou da hora de sair de casa para voltar a ter saúde física e mental

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

22/10/2020 04h00

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"Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Puxe uma das máscaras, coloque-a sobre o nariz e a boca, ajustando o elástico em volta da cabeça e respire normalmente, só depois auxilie a criança ao seu lado."

Esse é um comunicado que ouvimos em qualquer avião e que serviu para eu refletir sobre esses sete meses que estamos trancados dentro de casa e fazer alguns questionamentos: "Qual é o limite entre proteger o outro e se proteger?". Sei que parece uma questão complexa, mas vocês entenderão no decorrer do texto e gostaria que pensassem comigo.

Por vários momentos durante a quarentena percebi crianças ficando exageradamente em frente ao videogame, pais extremamente exaustos com as inacabáveis tarefas do dia a dia, pessoas com crises de ansiedade, estresse e até depressão por inúmeros motivos (falta do convívio social, medo de perder o emprego, redução da renda familiar), idosos ficando cada vez mais debilitados fisicamente por não poder praticar sua caminhada diária, professores trabalhando mais do que devem, o home-office que em alguns casos aumentou as horas de trabalho.

No início da pandemia, como tudo era novo, realmente estávamos — profissionais e leigos — um tanto quanto sem saber qual seria a melhor conduta. Porém agora que os médicos sabem tratar melhor a covid-19, o número de mortes está caindo, existem protocolos, por que continua sendo errado sair de casa tomando todos os cuidados (como usa máscara, evitar aglomerações, lavar as mãos)? Então, por que ainda há tantos questionamentos, contradições e julgamentos com quem está flexibilizando o isolamento para realizar atividades que estão liberadas, como caminhar no parque ou ir a um restaurante?

Para muita gente, quem sai para caminhar e cuidar da sua saúde física e mental, ainda é egoísta. Mas se você fica em casa, em frente à TV, estressado, comendo um saco de batata frita, está protegendo o próximo. Acredito muito que o outro melhora quando nós melhoramos —como já diria Jordan Peterson em sua análise: "Organize sua casa perfeitamente, antes de criticar o mundo".

Muitas casas estão o caos. As pessoas estão estressadas, ansiosas, nervosas, tristes, inseguras, com medo, tudo isso para os outros. Mas e você? E sua saúde física e mental?

Uma revisão do The Lancet analisando o impacto da quarentena na saúde mental mostrou que a maioria dos 24 estudos revisados apontava que o isolamento gera efeitos psicológicos negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva. Entre os fatores que geravam esse estresse estavam a quarentena muito longa, medo de infecção, frustração, tédio, informações inadequadas —muitas projeções que trazem mais medo do que ajuda—, perda financeira e estigmas. Pesquisadores sugeriram que esses efeitos podem ter longa duração.

Reflita: quantas pessoas você conhece que estão emocionalmente abaladas? Seria egoísmo uma dessas pessoas ir caminhar no shopping para desestressar, se isso já é permitido? Seria egoísmo a pessoa ir ao bar —que está liberado— com os amigos para dar boas risadas e voltar a ter vida social? Por que tantos ainda julgam ser errado fazer coisas que estão permitidas e vão trazer bem a você?

De acordo com recomendações do American Academy of Pediatrics e da OMS (Organização Mundial de Saúde), a exposição a telas para crianças de 3 a 5 anos deve ser de até uma hora por dia. Já para quem tem de 11 a 13 anos, esse tempo aumenta para duas horas por dia. Vou dar um exemplo na minha casa. Meu filho, de 11 anos, tem aulas online das 07h às 13h de terça a sexta —às segundas, a aula vai até às 16h —fora o "Fortnite" que era o momento de convívio online com os amigos. Por causa desse tempo no computador, ele começou a apresentar enxaquecas frequentes, irritabilidade, falta de concentração e está muito ansioso —e esse não é o relato de uma mãe desesperada, há comprovação científica de que tanto tempo em frente à tela faz mal.

Em 2019, a OMS fez uma publicação em que cita que "aumentar a atividade física, reduzir o tempo sedentário e garantir um sono de qualidade em crianças vai melhorar sua saúde física e mental, além de prevenir a obesidade infantil e doenças associadas mais tarde na vida. O não cumprimento das recomendações atuais de atividade física é responsável por mais de 5 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano em todas as faixas etárias". Então, por que tanta gente ainda considera errado alguém descer com o filho para brincar na quadra do condomínio (usando máscara)? O certo é deixar a criança vendo TV e comendo biscoitos?

Reforço que muitos problemas trazidos por tudo isso não serão notados agora e, sim, mais para a frente. Os problemas de saúde mental e trauma pós-traumático em crianças, adolescentes, adultos e idosos podem ocorrer em longo prazo. E isso é preocupante, principalmente pensando nas nossas crianças em fase de desenvolvimento e acalento.

Para muita gente, para mostrar que amamos os outros, ainda precisamos nos isolar. Irônico não? Mas e o colo? E o carinho? Se fosse seus últimos dias de vida, como você escolheria viver? Trancado ou ao ar livre? Não por egoísmo, mas pelo simples valor moral e liberdade de ir e vir.

Temos projeções, análises, estatísticas, mas o fato é que projetar o que não sabemos é bem complicado. Saberemos, daqui há alguns anos, qual foi a melhor conduta. Mas, até lá, temos que cuidar de nós mesmos, da nossa saúde física e emocional e organizar nossa casa.

Já viu o filme "Jimmy Bolha", que mostra uma criança (Jimmy Livingston) que nasceu com uma doença imunológica e foi criada dentro de uma grande bolha? Em casa, vivemos quase que numa grande bolha, sem relação com o meio externo, as crianças não têm contato com outras e com cargas virais mais simples, os anticorpos nas fases mais importantes ficam defasados e pergunto: estaremos preparados imunologicamente para sair? E nosso medo, insegurança e problemas emocionais? E a população que passou a fazer parte do grupo de alto risco por ter ficado sedentária, consumindo alimentos calóricos e vivendo estressada?

Temos o problema do coronavírus? Temos. Temos que tomar todos cuidados necessários até entendermos de fato tudo o que acontece? Sim. Temos que sempre entender todos os lados? Sim. Mas podemos ter os cuidados necessários —máscara em ambientes fechados, álcool em gel, distanciamento social, higiene, que já aprendemos muito bem— e viver o mais próximo do normal, sabendo que sempre estaremos expostos a riscos, o tempo todo.

Chegou a hora de entendermos que, para tudo dar certo, temos que cuidar primeiro da nossa vida —em todos os aspectos. Sua vida está organizada? Você está cuidando da sua saúde? Você está cuidando da sua mente? Você está bem com você mesmo? Você tem feito exames de rotina? Tem ido ao médico? Tem se cuidado?

Estudos, estatísticas, textões —como esse meu—, teremos um monte. Não julgue a atitude do outro ao sair de casa sem saber o que está acontecendo com a vida dele e o quanto aquele momento pode ser importante para ele. Se for para supervisionar, supervisione sua rotina, como quantas vezes você lava as mãos, porque ninguém é 100% perfeito.

Referências:

  • Brooks, SK; et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Rapid Review. The Lancet. Vol 395, issue 10227, p912-920, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8.
  • "American Academy of Pediatrics Announces New Recommendations for Children's Media Use." AAP.org.
  • Marcoux, Heather. "No More Guessing: Screen Time Guidelines for Toddlers to Teenagers." Motherly, Motherly, 7 Aug. 2018.
  • "New Screen Time Guidelines for Kids Were Just Released and Parents Are Still Doing It Wrong." Fatherly, 25 Apr. 2019.
  • SingHealth. "Study finds links between early screen exposure, sleep disruption and EBD in kids." ScienceDaily. ScienceDaily, 13 November 2019.
  • WHOs. To grow up healthy, children need to sit less and play more. Disponível em: https://www.who.int/news/item/24-04-2019-to-grow-up-healthy-children-need-to-sit-less-and-play-more