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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Será que a pandemia realmente piorou a saúde mental do jovem?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

07/04/2022 04h00

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Novo mapeamento do Instituto Ayrton Senna em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo aponta que 70% dos estudantes do estado relatam sintomas de depressão e ansiedade. O levantamento contou com um universo de 642 mil alunos do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio.

Os dados mostram que um em cada três estudantes tem dificuldade em se concentrar nas aulas e que quase 20% deles se sentem esgotados, sob pressão e perdem o sono por conta das suas preocupações. Quase 15% também enfrentam questões de autoconfiança.

O trabalho investiga também as competências socioemocionais dos alunos e os impactos que elas podem ter tanto no aprendizado como na saúde mental e nas diferentes formas de violência, que também acabam afetando indiretamente o processo de aprendizagem do jovem.

Impactos da pandemia?

Pesquisas semelhantes feitas em outros países e aqui mesmo no Brasil nos últimos dois anos apontam o impacto que a pandemia, o fechamento das escolas, o estudo online, a vida em casa e o distanciamento social podem ter tido na saúde mental, na perda das habilidades sociais, em déficits cognitivos e na maior dificuldade de aprendizagem do jovem.

Os resultados de boa parte dessas investigações sugerem uma piora ou uma deterioração da saúde emocional. Angústias, medos, estresse, ansiedade, tristeza, preocupações excessivas, solidão, desconfortos sociais são algumas das emoções pesquisadas. E é claro que tudo isso pode afetar a sensação de bem-estar psíquico e a saúde mental do jovem, entendida aqui em seu contexto mais amplo.

Mas será que aumentaram os transtornos psiquiátricos como síndrome do pânico, TOC, depressão, abuso de álcool e de outras substâncias, automutilações, tentativas de suicídio, entre outros? Nesse ponto, os dados divergem a depender da metodologia, grupos etários e patologias investigados, recortes socioeconômicos, entre outras variáveis.

Para alguns pesquisadores, a pandemia não aumentou e, sim, tornou mais visível uma crise de saúde mental entre os jovens que já vinha acontecendo há pelo menos duas décadas. A discussão foi matéria de um excelente texto da The Washington Post Magazine da última semana.

Resultados contraditórios

Segundo o artigo da revista, as estatísticas revelam resultados contraditórios e com diferentes nuances. Populações distintas de jovens encararam os efeitos da pandemia de formas diferentes. Assim, por exemplo, garotas adolescentes e crianças de famílias de baixa renda sofreram de forma desproporcionalmente maior que outros grupos etários e sociais. E a mídia pode ter retratado essa piora global da saúde mental do jovem sem capturar toda a complexidade do cenário.

Não é tarefa simples entender o que acontece com a saúde mental de uma população em um dado espaço de tempo. Quando se trata de crianças e jovens, esses dados podem ser ainda mais capciosos. A depender de como a pesquisa é estruturada, como as perguntas são feitas e que uso é feito das respostas, os resultados reais podem ser difíceis de mensurar.

Em boa parte do mundo, depressão e transtornos de ansiedade já eram problemas comuns entre os jovens bem antes da pandemia chegar. Como eles, transtornos alimentares e de imagem corporal, déficit de atenção, bem como a frequência de automutilação chamavam a atenção dos especialistas.

Um amigo diretor de uma grande escola particular no Rio de Janeiro havia me confidenciado, por exemplo, ainda em 2018, que estava impressionado com a quantidade de alunos que recebiam medicações psiquiátricas (que ficavam sob os cuidados dos educadores) durante o período em que estavam assistindo às aulas.

Sofrimentos mais explícitos

Uso maciço de tecnologias e exposição nas redes socais, bullying, preconceitos, racismo, homo e transfobia, violências, padrões de beleza e de comportamento idealizados e distantes da realidade, distância afetiva dos pais, crise econômica, dificuldade de comunicação com os pares e com os tutores são apontados como fatores que explicam a piora da saúde mental bem antes da pandemia. Com a chegada da covid-19, ou aconteceu uma escalada desses riscos, ou os seus efeitos ficaram muito mais óbvios e transparentes.

Mais importante do que saber se a pandemia piorou a saúde mental dos jovens e se aumentou ou não os transtornos psiquiátricos é o fato de que ela trouxe a questão do bem-estar psíquico do jovem para o primeiríssimo plano. Parte dos tabus e preconceitos que cercam o tema perderam espaço dada a importância de entender o que está acontecendo, reconhecer gatilhos e fatores de risco e endereçar medidas concretas para a melhora do cenário geral.

Fundamental também que as redes de ensino e o sistema público de saúde criem capacidade para dar conta dessa demanda crescente de atendimentos em saúde mental. Estimular essa discussão nas escolas e dentro de casa pode ser o primeiro passo para prevenir, identificar e tratar quem precisa.