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Jairo Bouer

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Por que cutucar e espremer dá tanto prazer? Sabia que pode virar compulsão?

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

30/06/2021 04h00

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Atire a primeira pedra quem nunca cedeu à tentação de enfiar objetos como tampinha de caneta, lápis e outros pequenos instrumentos pontiagudos dentro dos ouvidos para aliviar aquela coceirinha ou mesmo para tirar um pouco de cera?

Pode apostar que você não está sozinho. Na plataforma Tik Tok, o perfil #bebird, com vídeos que mostram pessoas fazendo de tudo para limpar seus ouvidos, atingiu a marca de 47 milhões de visualizações na última semana. Muitos dos posts, bem explícitos e até de gosto duvidoso, ressaltam o prazer e o alívio que essa prática pode trazer para as pessoas.

Bom lembrar que cutucar os ouvidos para sua limpeza é um dos hábitos de "higiene" vistos com bastante restrição pelos médicos. Otorrinolaringologistas ficam de cabelo em pé quando os pacientes contam que usam objetos e até mesmo cotonetes para esse fim. O risco de errarem a mão e machucarem o tímpano não é pequeno.

Cera é bom!

Além disso, é bom lembrar que a cera não está lá à toa. Ela, que é produzida pelas glândulas internas do ouvido, tem funções importantes como evitar que o canal auditivo fique ressecado e também dificultar a entrada de sujeira, água e micro-organismos, o que poderia aumentar o risco de uma infecção (otite).

À medida que a gente fala, mastiga ou move a boca, a cera vai sendo carregada em direção ao orifício externo do ouvido, onde seca e cai, levando com ela a sujeira. Por isso, até mesmo o uso de cotonetes pode atrapalhar esse processo natural e acabar levando a cera —com as impurezas e bactérias— de volta para dentro do ouvido.

Um interessante artigo da revista The New York Times Magazine da última semana discute como hábitos como cutucar os ouvidos podem nos remeter a memórias afetivas e culturais, mostrando que para além dos pequenos prazeres momentâneos, poderíamos estar resgatando emoções e memórias passadas ao insistir nessa prática.

Mas não é só a cera e cutucar os ouvidos que mexe com nosso imaginário de pequenos prazeres gerados pela manipulação do nosso corpo. Quem, por exemplo, não consegue resistir e acaba espremendo uma espinha que aparece no rosto, embora o procedimento seja amplamente condenado pelos dermatologistas pelo risco de infecções e cicatrizes?

Não é à toa que vídeos de gente espremendo espinhas também "bombam" na internet, e cenas de toda sorte de furúnculos e acne "explodindo" e eliminado pus pelos ares também atraem atenção de milhões de espectadores. Acredite se quiser, mas até brinquedo que simula esse momento já foi inventado.

Algumas pessoas acabam exagerando tanto nessa manipulação do corpo que podem até chegar a um quadro compulsivo, em que literalmente não conseguem deixar de cutucar, arranhar, beliscar, morder e tentar remover toda e qualquer ameaça de imperfeição que aparece em sua pele. O nome dessa condição é transtorno de escoriação (skin picking), que muitas vezes exige acompanhamento médico.

Evolução, carinho e prazer

Talvez, parte desse desejo e prazer de cutucar nosso corpo (ou o dos outros) tenha a ver com um processo evolutivo importante, presente em várias espécies animais, chamado de "grooming" —que poderia ser traduzido como cuidado, limpeza, asseio ou algo do gênero.

Quem já viu um macaco passando horas do dia "catando" parasitas em seu corpo ou no corpo de outros membros do seu bando já sabe do que se trata. Mas para além do ritual de limpeza, o "grooming" serve como um mecanismo importante de pacificação dentro do grupo. Um membro pode conseguir proteção, atenção especial ou posição de destaque ao praticar esse comportamento no líder. Não é à toa que os animais mais sociais gastam boa parte do seu tempo praticando o "grooming".

Do ponto de vista bioquímico, o "grooming" pode levar à produção e liberação de substancias no nosso corpo que geram uma sensação de bem-estar e relaxamento. Assim, cutucar e espremer poderia, de alguma forma, nos remeter a essa nossa experiência ancestral de busca de alívio e conforto.