'Fui chamada de feia por um promotor no tribunal, e isso é inaceitável'

A advogada Marília Gabriela Gil Brambilla, 43, chamada de "feia" por um promotor durante uma sessão do tribunal do júri em Goiás, disse que, em 22 anos de profissão, nunca havia passado por situação tão constrangedora. "É inaceitável." O promotor Douglas Chegury fala em "armação".

O que aconteceu

O promotor do Ministério Público de Goiás Douglas Chegury disse, durante uma sessão em Alto Paraíso de Goiás, no último dia 22, que não beijaria Marília porque ela "é feia". O momento foi registrado em um áudio.

Não quero beijo da senhora. Se eu quisesse beijar alguém aqui, eu gostaria de beijar essas moças bonitas, não a senhora, que é feia.
Douglas Chegury, em áudio obtido por Universa

A sessão do júri foi anulada após uma das juradas deixar o local por causa da discussão entre o promotor e a advogada. Chegury rebateu: "Só porque eu reconheci aqui que esteticamente... Eu menti? Tecnicamente ela não é uma mulher bonita."

A advogada contou a Universa como tudo começou. "Eu estava na mesa do juiz conversando sobre o caso, quando o promotor disse que preferia beijar as outras mulheres bonitas, que eram as jovens advogadas da bancada de defesa do outro acusado, ao invés de me beijar, pois eu era feia."

A jurada se levantou, revoltada, manifestou isso publicamente, quebrou a incomunicabilidade e o júri foi anulado. Mesmo assim, ele continuou me ofendendo.
Marília Brambilla

Marília conta que se sentiu surpresa com a atitude do promotor. A advogada lembra situações de machismo que enfrentou ao longo da profissão, mas nada parecido com o que ouviu.

O que já aconteceu comigo por diversas vezes, como acontece com outras colegas, é a negativa de acesso aos autos, ao inquérito policial ou mesmo a outros processos, além do tratamento grosseiro e humilhante que já recebi em delegacias, principalmente quando era mais nova.
Marília Brambilla

Para a advogada, a atitude de Chegury mostra o reflexo do machismo no país. Ela diz que mulheres que trabalham como advogadas enfrentam esse tipo de situação em diversos ambientes e, por isso, é crucial que todas conheçam seus direitos. "Nada supera a mulher que está sempre pronta."

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Atitudes dessa natureza não deverão mais ser aceitas em nenhum local de trabalho de uma mulher, principalmente na advocacia criminal feminina, onde as questões são sempre sensíveis e envolvem direitos e garantias fundamentais.
Marília Brambilla

A advogada espera que o promotor seja punido. "Confio nas instituições brasileiras e espero que a resposta da entidade de classe seja rápida, respeitando o devido processo legal e garantindo ampla defesa. Espero que a decisão seja tomada de forma a evitar que isso aconteça novamente."

O que dizem as autoridades

A OAB-DF (Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal) disse repudiar as "declarações misóginas" de Chegury. A OAB em Goiás também se manifestou e afirmou que a conduta do promotor "viola a ética profissional".

Já o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, repudiou o ocorrido com a advogada. E disse, em nota enviada à reportagem, que a "reação será à altura das ofensas para que possamos repelir esses fatos e buscar a proporcional punição ao agressor".

O Conselho Federal da OAB e as seccionais de Goiás e do Distrito Federal encaminharam reclamação ao corregedor nacional do Ministério Público, pedindo o afastamento do promotor. O corregedor nacional do Ministério Público instaurou uma reclamação disciplinar para apurar a conduta de Chegury. O corregedor também determinou a notificação da Corregedoria-Geral do MPGO para juntar cópia da gravação integral da sessão.

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Promotor diz que houve armação

Chegury disse que o objetivo da advogada era anular o julgamento. "Foi uma armação. Ela gravou exatamente aquele período em que ela tinha articulado com outro advogado para tornar a provocação ainda mais acintosa para levar à anulação do júri. Esse era o objetivo dela e as câmeras internas do plenário vão demonstrar tudo o que ela planejou."

O promotor também disse que a advogada mandou um beijo para ele enquanto acontecia o julgamento. "Ela se sentou na minha frente, a um metro de mim, e falou: 'um beijo' e fez o gesto com a boca. Sou um homem casado, tenho filhos. Minha mulher foi desrespeitada. Fui assediado e não quero me colocar aqui em posição de vítima, mas ela errou", disse o promotor.

*Com informações de reportagem publicada em 23/03/2024.

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