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Caso Saul Klein

A investigação envolvendo empresário, membro da família que fundou as Casas Bahia, acusado de crimes sexuais por 14 mulheres


Médico de famosas recebia R$ 15 mil por dia de Klein para atender garotas

O cirurgião plástico Ailthon Takishima: à polícia, médico disse saber de "jogos sexuais" de Saul Klein Imagem: Reprodução

Cristina Fibe, Camila Brandalise e Pedro Lopes

Colaboração para Universa, no Rio de Janeiro; e de Universa e do UOL Esporte, em São Paulo

28/10/2022 04h00

O empresário Saul Klein chegava a pagar R$ 15 mil por dia ao cirurgião plástico Ailthon Takishima, apontado por vítimas como parte de um esquema de aliciamento e exploração de mulheres construído pelo empresário. O valor foi apresentado em depoimento do próprio médico no inquérito policial sigiloso que investiga as acusações contra o filho de Samuel Klein, fundador das Casas Bahia.

Especialista em estética, Takishima foi apontado pela Polícia Civil, em abril deste ano, como parte de organização criminosa liderada por Klein. Seu depoimento à esfera criminal é uma das provas utilizadas pelo Ministério Público do Trabalho, que recentemente ingressou com ação contra Klein por tráfico de pessoas e escravidão sexual e pede indenização de R$ 80 milhões

O órgão afirma que a presença do médico reforça a violência de gênero em todo o esquema, mas não o inclui no pedido de indenização. Na esfera criminal, Takishima, assim como outra médica, Silvia Petrelli, que também seria parte do esquema, são investigados pela polícia por integrar organização criminosa. A pena, caso sejam considerados culpados, é de três a oito anos de prisão, mais multa.

O que se sabia, a partir do relatos de vítimas a Universa, era que ele atuava nas casas de Klein e fazia procedimentos estéticos nas jovens a pedido do milionário, entre os quais botox, tratamento para tirar sardas e "perder barriga". Também chegou a receitar antidepressivo a uma menina ao vê-la triste, segundo depoimento dela. As denunciantes apontam ainda que ele prescrevia medicamentos para tratar ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis).

Takishima também é alvo de sindicância do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) por manter relação de trabalho suspeita. A entidade foi procurada pela reportagem, mas alega que não pode se manifestar pois o caso está sob sigilo.

Se, após a investigação, o conselho acreditar que há provas de infrações éticas dentro da profissão, é aberto um processo ético-profissional, que pode resultar em advertência, suspensão ou cassação de registro profissional.

Enquanto as investigações seguem em curso, o médico, que apareceu em reportagens nos últimos anos no papel de cirurgião de celebridades como a apresentadora Xuxa e as modelos Lea T e Cíntia Dicker, atende normalmente em sua clínica de estética, beleza e bem-estar na capital paulista, a Sensory-All. Nas redes sociais, posta fotos de sua rotina de trabalho e dos eventos médicos dos quais participa. "Elegância é vestir-se de ética em todas as ocasiões", escreve na legenda de uma foto em que aparece em meio a uma cirurgia.

Universa entrou em contato com a clínica e com o profissional, por telefone e por mensagens, para ouvir Takishima sobre as acusações. A pessoa responsável pelo WhatsApp da Sensory-All afirmou que "não existe envolvimento do doutor Ailthon no caso". Embora a reportagem tenha insistido que há provas de que ele tenha se envolvido com o esquema, não houve mais resposta.

Médicos sabiam de "jogos sexuais" organizados por Klein

A investigação aponta Takishima como o chefe do "núcleo médico" do esquema de Klein. Havia outras frentes, segundo a polícia: de aliciamento, falsificação de documentos e de logística e segurança.

Médico pessoal do empresário, o cirurgião plástico teria sido encarregado da contratação de profissionais de saúde e beleza para atender as mulheres que ali estariam para servir ao empresário sexualmente.

Em depoimento, Takishima afirmou ter prestado serviços para meninas nas residências de Saul Klein —um sítio em Boituva e uma casa no bairro nobre de Alphaville, em São Paulo— entre 2010 e 2018. Negou saber de violências sexuais ou ter testemunhado qualquer "tratamento degradante" em relação a suas pacientes, nas quais fez intervenções como preenchimento, injeção de botox e cirurgias em consultório: "Elas sempre queriam fazer todo tipo de procedimento".

Uma das profissionais convocadas pelo médico para prestar serviços a Klein foi a ginecologista Silvia Petrelli, também alvo de sindicância do Cremesp. Para a polícia, ela era "peça importante do esquema criminoso", já que cuidava da "saúde sexual" das meninas aliciadas, com honorários que variavam de R$ 3.000 a R$ 5.000 ao dia. Segundo vítimas, Klein se negava a usar preservativo e teria passado diversas infecções sexualmente transmissíveis a elas, que seriam tratadas pela médica.

Contatada pela reportagem, Petrelli também não se manifestou até a publicação deste texto. Em depoimento que faz parte da investigação, reconheceu ter participado de festas promovidas por Klein, mas garantiu nunca ter presenciado o empresário sendo agressivo, desrespeitoso ou abusivo, "nem se aproveitando das meninas".

Os benefícios financeiros de ambos os levaram a atuar "com cegueira deliberada em relação às condutas praticadas", aponta o inquérito citado pelo MPT. Apesar de não influenciarem diretamente para a "manutenção da rede de exploração", eram parte integrante dela, e admitiram em depoimento saber da presença e circulação de "várias modelos" por ali, "mas preferiram não se aprofundar no assunto".

Para a polícia, alterar o visual para satisfazer o investigado é "mais uma comprovação de sua manifestação de menosprezo a mulher, sendo vista apenas como um objeto sexual seu", e mais um sinal de que o médico sabia da suposta rede de exploração sexual.

Saul Klein nega as acusações de violência sexual. Segundo sua defesa, ele não fazia nada diferente do que faz um "sugar daddy": um homem mais velho que tem o fetiche de sustentar mulheres mais jovens em troca de afeto ou sexo.

Relembre o caso

Saul Klein é investigado pela polícia desde setembro de 2020, em um processo envolvendo 14 jovens que o denunciaram por estupro, lesão corporal e transmissão de doença venérea, entre outros crimes.

Elas fizeram as primeiras denúncias em setembro de 2020 à então promotora de justiça Gabriela Manssur e foram encaminhadas ao projeto Justiceiras, idealizado por ela, sob liderança jurídica da advogada Luciana Terra Villar. As vítimas passaram por acolhimento psicológico e orientação jurídica, e as denúncias foram levadas à Delegacia de Defesa da Mulher de Barueri.

Após 18 meses de investigação e três trocas de delegados, a polícia finalizou o inquérito pedindo indiciamento e prisão de Saul Klein em 29 de abril de 2022. A Justiça, no entanto, avaliou que ainda há suspeitas a serem esclarecidas e rejeitou o pedido em 19 de maio. A investigação foi retomada, e não há data para sua conclusão.

Devem ser ouvidas testemunhas e vítimas novamente para falar sobre pontos específicos da denúncia, apontados pelo Ministério Público como questões que precisam de mais esclarecimentos.

Enquanto isso, o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação civil pública contra Saul Klein por tráfico e escravidão sexual. A indenização pedida é de R$ 80 milhões. O caso aguarda julgamento.

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