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Atriz de 'Marighella', Bella Camero: 'Dar opinião hoje em dia é perigoso'

A atriz Bella Camero faz homenagem à vereadora Marielle Franco durante exibição do filme "Marighella' no Festival de Berlim, em 2019 Imagem: Brian Dowling/WireImage

Lais Rissato

Colaboração para Universa

26/11/2021 04h00

A atriz Bella Camero, de 29 anos, afirma enxergar semelhanças entre ela e sua personagem no filme "Marighella", dirigido por Wagner Moura. No longa-metragem, Bella faz o papel de uma jovem de classe média alta que decide abrir mão de uma vida confortável para integrar o grupo de orientação comunista liderado pelo guerrilheiro e político Carlos Marighella. Em seu terceiro fim de semana em cartaz, a obra alcançou mais de 250 mil espectadores.

"Eu também sinto essa urgência, esse convite de usar as armas que eu tenho em nome de um ideal. No meu caso, são meu corpo, minha voz, meu trabalho, minhas redes. Quero trazer luz aos ambientes em que estou, trazer à tona coisas que estão sendo abafadas e que estamos vivendo agora no país", afirmou a atriz a Universa.

Participar de um projeto com viés político e histórico e ter a possibilidade de entrar em contato com movimentos sociais reacendeu em Bella a esperança de que dias melhores virão. "Tem uma fala do Marighella que é: 'A única luta que se perde é a que se abandona'. Vejo que tem muita gente incrível se juntando e é perto delas onde que eu quero estar". Mesmo se posicionando publicamente sobre diferentes assuntos, ela reconhece que há limitações. "Não dá pra falar pra qualquer um, 'olha, se posicione', porque eu não sei o que as pessoas passam. Infelizmente dar opinião hoje no nosso país tem sido algo perigoso".

Filha da também atriz Dida Camero, Bella conta que enveredar pelo caminho das artes foi natural, já que sempre acompanhou a mãe pelos palcos de Belo Horizonte (MG), onde cresceu. Já estabelecida no eixo Rio-São Paulo, participou de duas temporadas de "Malhação: Conectados", em 2011, e "Vidas Brasileiras", em 2018. Também atuou no filme "Confissões de Adolescente", em 2014, e no recente "Urubus", premiado na 45° Mostra Internacional de Cinema de SP.

Seu próximo trabalho é como uma das protagonistas da série "Lov3", da Amazon Prime Video, ainda sem data de estreia. A história gira em torno de três irmãos e abordará questões de gênero, poliamor e relações abertas. "Sou uma mulher cisgênero, branca e LGBTQIA+. Entendi que a não-monogamia não é só sobre ficar com outras pessoas. É também sobre o que significa estar numa relação, o que são as trocas, o que se deve fazer ou não. E não existe apenas uma maneira de trocar afeto", reflete.

Seu Jorge, Wagner Moura, Bella Camero e Bruno Gagliasso no tapete vermelho do Festival de Berlim apresentando 'Marighella' em 2019 Imagem: Brian Dowling/WireImage

UNIVERSA - Sua personagem em "Marighella" é de classe média alta e estar em uma revolução é algo opcional. De que forma você se identifica com ela?
BELLA CAMERO
- Minha personagem não sente a dor da opressão e da repressão na pele, mas o filme fala sobre abdicar de certos lugares de conforto porque, se só você está bem e o seu grupo não, não está tudo bem. Tem até uma frase do filme que algumas guerrilheiras da época da ditadura falam quando são questionadas sobre o que as levou à militância. Elas respondem: "Você tem que perguntar o que levou quem não fez nada a ficar quieto e a não se posicionar". Então eu sinto essa urgência, esse convite de usar as próprias armas que eu tenho. No caso, meu corpo, minha voz, meu trabalho, minhas redes. Quero trazer luz aos ambientes que estou, trazer à tona coisas que estão sendo abafadas e que estamos vivendo agora no país.

O quanto estar neste projeto te fez conhecer mais sobre a história do nosso país?
Foi muito frustrante perceber o quanto eu não conhecia o Marighella. E olha que eu estudei sempre em escolas particulares ótimas. É uma defasagem grande no ensino, principalmente em relação a esse período da ditadura no Brasil. Entrei em contato de maneira bastante dolorosa porque todo mundo sabe o que aconteceu, mas tem uma memória fraca. A história é contada de maneira muito torta, por meio do olhar de quem está no poder. Dói a maneira como tentam fazer com que fiquemos apáticos. Por isso as coisas estão como estão, porque temos uma memória que é abafada, pra não gerar revolta e inconformidade.

Doeu também essa demora para o filme ser exibido no Brasil, né?
A gente não via a hora de estrear aqui e cada vez mais as coisas iam emburacando. [O filme chegou aos cinemas brasileiros com dois anos de atraso por dificuldades com a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e por causa da pandemia. O diretor Wagner Moura classificou o atraso como uma forma de censura do governo de Jair Bolsonaro]. E tinha também essa sensação de censura velada. Teve um momento que achamos que nem ia rolar. O primeiro lugar onde queríamos exibir o filme era onde havia pessoas em situação de vulnerabilidade, que não têm a possibilidade de conhecer tão profundamente alguns dados da história. Então é prazeroso saber que as pessoas estão indo ao cinema e que há exibições gratuitas. Foi emocionante a exibição no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), em São Paulo.

Que futuro você enxerga para o país, tendo em vista a situação política e econômica que vivemos hoje?
Eu estava com tendência a desistir, a me conformar com isso, mas estar no filme me ajudou. Tem uma fala do Marighella que é: 'A única luta que se perde é a que se abandona'. Vejo que tem muita gente incrível se juntando, e é onde quero estar perto. Cada pessoa em seu nicho vai conseguir levar essa esperança de melhora e de liberdade. A luta não está perdida.

A cultura no Brasil está sendo censurada? De que forma você, como artista, se coloca para combater isso?
Está muito difícil para quem trabalha com cultura, com arte, com jornalismo. Nem todo mundo pode fazer escolhas. Não dá pra falar pra qualquer um, 'olha, se posicione', porque eu não sei o que as pessoas passam. Infelizmente dar opinião hoje no nosso país tem sido algo perigoso. Ao mesmo tempo, eu tenho privilégios que me permitem isso, pude escolher me dedicar a projetos e histórias que eu quisesse contar e jogar luz.

Não é porque uma pessoa é artista que ela precisa falar de política, mas não sei como alguém consegue ficar neutro ou não tentar conversar no seu microuniverso.

Qual o custo de se posicionar politicamente nas redes sociais?
Uso esse espaço para ter uma comunicação direta e falar dos meus trabalhos, das lutas em que acredito. Tenho uma troca com pessoas que eu não teria de outra forma e recebo muitas mensagens por causa do filme, de gente que se sente tocada e não conhecia o meu trabalho.

Às vezes tem um comentário ou outro ruim quando me posiciono politicamente, mas é sempre tão vazio, que não tira meu sono.

Você vai protagonizar a série 'Lov3", comédia que aborda as diferentes formas de relacionamento. Como é a sua personagem?
A história fala sobre relacionamentos que fogem do padrão esperado. São três irmãos, cada um vivendo sua própria maneira de olhar para as relações, sejam elas amorosas ou de amizade. Eles pensam: será que tenho que fazer do jeito convencional? Minha personagem tem um irmão gêmeo e é o oposto dele, porque se coloca cheia de certezas e atitudes, mas aí no decorrer da trama você vê como isso mascara várias falhas e inseguranças. Já finalizamos as filmagens no Uruguai.

Imagem: Thiago Bruno

Como você enxerga as novas formas de amar, como as relações não-monogâmicas?
Recentemente eu conheci uma indígena no Instagram, a Geni Núñez, e ela fala muito sobre a descolonização de afetos. Acho uma discussão rica, porque socialmente tentam limitar nosso pensamento, nossa opinião, a pluralidade de ideias, e fazem a mesma coisa com o afeto. A gente nem questiona muito, nos ensinam que há apenas uma maneira certa. Acho que os jovens da geração Z estão se abrindo para pensar sobre essas maneiras não-convencionais.

Eu entendi que a não-monogamia não é só sobre ficar com outras pessoas. É também sobre o que significa estar numa relação, o que são as trocas, o que se deve fazer ou não. E não existe apenas uma maneira de se fazer isso.

A monogamia está muito atrelada a uma solução para garantir uma segurança, pelo medo de não ser amado, de ficar sozinho. Isso acaba sendo nocivo para as mulheres, é algo que pode gerar um tipo de violência física, emocional e psicológica, porque acredita-se que ela tem que ser subserviente.

O casamento é visto como um sinônimo de status moral, como se fosse uma garantia de você ser uma pessoa melhor ou eticamente confiável.

Isso também se aplica à forma como você se identifica sexualmente? Você se encaixa em alguma definição?
Não dá pra dizer que a definição de gênero ou de sexualidade não importa. Importa porque tem muitas mulheres que sofrem por serem mulheres assim como também sofrem as lésbicas, os homens gays, os homens trans e por aí vai. Eu sempre falo que os movimentos refletem a paisagem de seu tempo. O feminismo foi e é muito importante ainda, mas ele não é suficiente. A gente tem que continuar pensando sobre o pós-feminismo, o transfeminismo, por exemplo. As lutas e os aprendizados vão se somando.

Eu me entendo como uma mulher cisgênero, branca, LGBTQIA+. Por sorte, sempre frequentei ambientes onde não se questionava tanto a diversidade sexual das pessoas, e isso foi importante para eu ter minha autonomia afetiva e sexual, sem precisar me definir tanto. Por isso, sinto menos necessidade de escolher uma das letras da sigla.

Falando em feminismo, você estuda bastante sobre esse movimento? O quanto você batalha pela causa feminista?
É algo que me interessa muito, estou sempre lendo sobre e entendi o quanto é importante entender. Sou colaboradora do grupo A Tenda das Candidatas, para formação e preparação de mulheres negras, LGBTQIA+ e indígenas na política, e sei o quanto ser mulher não é uma categoria universal. Não dá pra delimitar esse significado em uma palavra só. Isso significa que eu, como mulher cisgênero e branca, tenho que tomar cuidado para não silenciar e anular outras existências de ser mulher.

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