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Bisneta de poeta e sufragista, Gabriela Moreyra se entendeu negra em novela

Antes de se entender como mulher preta, Gabriela Moreyra se identificava como morena Imagem: Sergio Baia

Luiza Souto

Colaboração para Universa

26/03/2024 04h05

A atriz Gabriela Moreyra diz não acreditar no acaso e por isso mesmo frisa que sua trajetória teve influência direta dos bisavós, o poeta Álvaro Moreyra e a feminista e sufragista Eugênia Álvaro Moreyra, bem como da mãe, a dançarina Valéria Moreyra.

E em duas décadas cumprindo com o destino, a atriz de 36 anos hoje vive um misto de celebrações pelos feitos: estreou em fevereiro a série "Luz", a primeira infantojuvenil brasileira da Netflix, e que figurou entre as 10 séries de língua não inglesa mais vistas no mundo, superando "Bom Dia, Verônica".

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É naquela plataforma onde Gabriela figura também no longa "Os Aventureiros - A Origem", de Luccas Neto, e na minissérie "Olhar Indiscreto".

Ainda viu sua primeira protagonista da carreira desembarcar em Portugal no mês passado: "Escrava Mãe", da Record, estreou no mesmo país onde rodou o longa "Para além da memória", que lhe rendeu indicação ao prêmio de melhor atriz no London International Motion Pictures Awards, em 2020.

"Foi uma novela que me fez me entender como mulher preta. Tenho uma mãe branca e um pai preto, e isso nunca foi falado em casa, acho até que por uma questão de proteção", conta ela, que é neta do primeiro general médico negro do Brasil, Octavio Mendes de Oliveira —o Exército teve apenas 11 generais negros ao longo de sua história.

Veja os principais trechos dessa conversa, em que ela conta sobre a influência da família na sua trajetória e a importância da representatividade no audiovisual.

Universa: Em "Luz", a sua personagem, Dora, é dona de uma livraria que incentiva as crianças a estudar, e o que vemos hoje são espaços como esse fechando, e as pessoas mergulhadas no celular. Qual a sua percepção sobre isso?
Gabriela Moreyra:
Estamos tendo um tempo de tela maior e isso me preocupa. Eu gosto da internet, sou super tecnológica, mas fico pensando nas crianças. Por isso é bacana ter um produto que mostra uma empreendedora que resolve ter uma livraria e ser fomentadora da cultura.

Fora que a gente ainda exalta a comunidade indígena e fala sobre reparação histórica, da nossa cultura.

Fora esse trabalho, você está para estrear o filme ítalo-brasileiro "A educação da avó". Por ser uma mulher brasileira e negra, sentiu alguma diferença de tratamento ao trabalhar na Europa?
No trabalho, não. Foram muito calorosos, e por ser a única brasileira, me abraçaram. Mas fora do trabalho é outra coisa. Eu sinto uma diferença de tratamento muito grande.

Imagem: Divulgação

Em 20 anos de carreira, você sente que hoje temos um elenco, e também histórias mais diversas no audiovisual?
Acho que o mercado audiovisual e o mundo estão falando sobre reparação histórica, e isso está respingando em várias áreas. Sinto que, para que essas oportunidades tenham chegado até mim, é porque o mercado também está nesse momento.

Sei também que sou uma mulher negra privilegiada, porque não sou retinta e tenho uma passabilidade, mas eu acho que o mercado tá num movimento de mudança.

A primeira protagonista negra de uma novela da TV Record foi em 2016, quando você fez "Escrava Mãe". Isso é um motivo de comemoração ou preocupação, por ter demorado muito para acontecer, ainda assim num papel de escrava?
Foi um projeto que me fez me entender como mulher preta. Eu tenho uma mãe branca e um pai preto, e isso nunca foi falado em casa, acho até que por uma questão de proteção. Com a novela, comecei a entrevistar minha família, e perguntei para o meu pai por que ele nunca me avisou, e ele falou que em casa não era bem visto ser preto.

Ainda estou num processo de estudo, porque eu já tinha vivido 28 anos sem me deparar com essas questões, entendendo que muita coisa que eu passei foi por ser uma mulher preta. Essa parte é delicada para mim.

Mas as pessoas têm seu tempo. Tem dois livros que eu quero ler eu não vou fazer isso agora porque requer muito respiro, que é o "Peles negras, máscaras brancas" e o "Tornar-se negro", que inclusive fala sobre o quanto as pessoas demoraram nesse processo.

Mas você se identificava como?
Morena. Mas nem pensava sobre isso. Esse processo de descoberta mudou minha vida.

Gabriela Moreyra 2 Imagem: Sergio Baia

E quando os brancos ouvem um relato como o seu, de que forma eles podem entrar nessa luta e falar mais sobre isso?
Já se é uma revolucionária só de ter consciência e levantar essa pauta, e fazer as pessoas pensarem sobre.

Enquanto essa era uma pauta pouco debatida na sua família, sua bisavó foi uma das pioneiras do feminismo, lutou pelo direito da mulher ao voto, pelo teatro, entre tantas outras questões. De que forma a luta dela, junto com seu bisavô, impactou na sua trajetória?
Saber que eles existiram e foram resistência, que a minha bisa fumava charuto como ninguém, usava cabelo curto, foi a primeira a usar calça e espartilho e sair pelas ruas e fazer parte de movimentos reverberou muito na minha criação.

Porque minha mãe é uma superartista, e hoje sou atriz graças a ela. Danço desde os três anos, e a gente sabe que a arte salva desde nova. Minha mãe viveu histórias duras e difíceis, mas num ato revolucionário, aos 20 anos, falou para o pai que queria ter uma academia de dança e os dois compraram um prédio e começaram a academia há 46 anos. E ela foi o primeiro centro artístico da Leopoldina (zona norte do Rio).

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