Topo

Caso de mulher que sofreu racismo vira samba-enredo no Carnaval de BH

Eliangela, vítima de racismo que virou tema de samba-enredo - Arquivo Pessoal
Eliangela, vítima de racismo que virou tema de samba-enredo Imagem: Arquivo Pessoal

Bruna Alves

Colaboração para Universa

29/01/2020 04h00

O racismo sofrido pela cuidadora de idosos Eliangela Carlos Lopes, de 42 anos, em novembro passado marcou sua vida e de muitas mulheres que se identificaram com ela. Após receber uma oferta de emprego que excluía negras e gordas, ela não se calou e denunciou o preconceito. O caso ganhou repercussão nacional e Eliangela estampou sites de notícia e páginas de jornais.

O episódio lamentável, no entanto, acabou tornando-se motivo de ao menos uma alegria. A história de Eliangela serviu de inspiração e foi transformada em um samba-enredo para o Carnaval deste ano do bloco Real Grandeza, em Belo Horizonte, onde ela desfila há dois anos.

Eliangela conta que desde adolescente sonhava em participar de um desfile de Carnaval. Como engravidou aos 18 anos e teve que cuidar de seu filho sozinha, após ser expulsa de casa, ela precisou se dedicar somente ao trabalho durante alguns anos.

"Carnaval é minha vida, gosto desde que era pequena. Não perdia na televisão: subia na mesinha da sala imaginando um carro alegórico e ali eu fazia meu Carnaval. Mas, na minha mente, era uma coisa muito fora do meu padrão de vida, porque eu vivia com um salário mínimo, pagava aluguel e tinha um filho para criar", recorda.

Eliangela, vítima de racismo que virou tema de samba-enredo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Carnaval era uma paixão antiga de Eliangela, que só conseguiu começar a desfilar há cinco anos
Imagem: Arquivo Pessoal

Com o passar dos anos, a situação melhorou e, aos poucos, ela conseguiu reestruturar-se. Em 2015, Eliangela realizou o sonho de infância e desfilou pela primeira vez em uma escola de samba de BH. Em 2016, chegou a desfilar em um carro da Portela, tradicional escola de samba do Rio de Janeiro.

Desde então, começou a frequentar blocos carnavalescos — menores e, segundo ela, acolhedores. Em 2018 conheceu o Real Grandeza, comandado por uma presidente mulher. Eliangela identificou-se com a proposta e segue desfilando no bloco até hoje, como passista e destaque de chão. Dedicada à paixão, ela participa das reuniões, ajuda na confecção das fantasias e é membro da diretoria.

Ideia de samba-enredo surgiu com uma brincadeira

Ano passado, durante uma reunião com os membros do Real Grandeza em que o assunto era o tema do samba-enredo deste Carnaval, Eliangela sugeriu, brincando, que o bloco poderia falar sobre preconceito. O que ela não imaginava é que os compositores Viviane Santos, Vicente Dendem e Breno Alves criariam uma canção inspirados em sua história.

"Eu falei: 'Gente, de uma história triste não dá para fazer samba'. Mas juntou um pouco da emoção de cada um", diz Eliangela. Duas horas depois, o samba "Chega!!! Contra o preconceito em geral" estava pronto (veja a letra no final da reportagem).

"É uma coisa que não fala de mim propriamente. Fala de você, fala da sua mãe, fala da sua avó. Fala de todos os tipos de preconceito que existem na nossa sociedade. E ver essa história sendo transformada na minha paixão, que é o samba, é uma emoção que vou carregar para o resto da minha vida", conta ela, emocionada.

O bloco Real Grandeza, que desfila na terça-feira em BH - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O bloco Real Grandeza está no Grupo B e desfila na terça-feira de Carnaval
Imagem: Arquivo Pessoal

Para Viviane Santos, cantora e compositora, a canção representa muitas pessoas que enfrentam os mais variados tipos de preconceitos e querem apenas ser aceitas como são. Nesse contexto, ela cita, ainda, a gordofobia, afirmando que é preciso respeitar as diferenças, e que cada mulher tem uma beleza distinta.

"Na verdade, colocaram esse estereótipo [de magreza] como algo que tem que ser, que todo mundo tem que seguir. Mas a maioria da população não é assim. As pessoas normais não são assim", avalia.

Uma mensagem para depois do Carnaval

Com o samba-enredo na avenida, a compositora espera levar uma mensagem de reflexão que perdure além do desfile.

"A gente quer ser campeão, mas é mais do que isso. A gente espera ter uma mensagem bem clara para que as pessoas levem não só na avenida, não só no Carnaval, mas em todos os momentos. Para que toda hora que pensarem nesse tema comecem uma reflexão mais profunda e que cada um possa fazer sua parte", completa Viviane.

Este ano, o bloco, que está no grupo B, não recebeu patrocínio da Belotur (Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte), responsável pela organização e distribuição da verba para o Carnaval. Por isso, os membros estão reciclando as fantasias de anos anteriores para desfilar, mas aguardam verba de setores privados para a confecção de novas fantasias.

O Real Grandeza tem barracão no bairro Anchieta, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e vai desfilar na Avenida Afonso Pena na terça-feira de Carnaval, 25 de fevereiro.

Chega!!! Contra o preconceito em geral

Chega, eu disse chega
Na Avenida eu vim reivindicar (BIS)
Somos a Real Grandeza
A resistência do meu samba vou mostrar

Mulheres e negras
Guerreiras tentando sobreviver
Homens, héteros e gays
De toda forma
Sejam vistos como iguais

Crianças não nascem racistas
Vamos conscientizar
Preconceito não leva a nada
A esperança vai vitalizar

Rogai por nós meu Bom Pastor
Ilumina a igualdade social
Real Grandeza (BIS)
Orgulhosa vai à luta
Contra o preconceito em geral