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Costureira reforma bonecas jogadas fora para crianças carentes no Natal

Francisca Monteiro Alves, a dona Chiquita, que reforma bonecas para o Natal - Arquivo pessoal
Francisca Monteiro Alves, a dona Chiquita, que reforma bonecas para o Natal Imagem: Arquivo pessoal

Bruna Alves

Colaboração para Universa

24/12/2019 04h00

Desde 2016, Francisca Monteiro Alves, de 67 anos, reforma bonecas e ursos de pelúcia para presentear os pequenos que não ganhariam presentes na tradicional festa de fim de ano. Um gesto que tem mudado o Natal de várias crianças carentes no Espírito Santo.

Costureira aposentada, dona Chiquita, como gosta de ser chamada, retira bonecas do lixo, arrecada doações e, às vezes, até compra bonecas mais simples para transformá-las em presentes de Natal. Mas, para contar melhor de onde vem essa motivação, é preciso voltar à sua infância, na década de 1950.

Natural de Aimorés, no interior de Minas Gerais, Chiquita é a segunda filha entre seis irmãos. Seu pai pouco aparecia em casa, e a mãe fazia de tudo um pouco para sobreviver com os filhos. Eles chegaram até a morar na rua por um tempo.

Aos sete anos, Chiquita já cuidava dos irmãos mais novos enquanto a mãe trabalhava. Aos 11, começou a trabalhar de babá. "No Natal, nós não ganhávamos nada. Muitas vezes, a gente não tinha nem o que comer, e íamos no rio pegar uns peixinhos para fazer uma farofa. Nós só ficávamos naquela ilusão de que o Papai Noel ia passar e deixar um presente. Muitas crianças ganhavam presentes. A gente ficava só olhando."

Chiquita era foi apaixonada por bonecas, mas só teve uma, que ganhou de sua avó. Na adolescência, ela começou a trabalhar como doméstica, e foi nessa casa que fez um curso e aprendeu a costurar.

Com o passar dos anos, Chiquita se casou, foi morar com o marido em Cariacica (ES), começou a trabalhar e pôde dar aos filhos uma infância bem diferente da sua.

"Eu sempre ganhava bonecas da minha mãe e do meu pai no Natal, principalmente essas tipo bebezão, que eu sempre achei lindas", recorda sua filha, Fernanda Monteiro Taufner, 42.

Chiquita nunca trabalhou fora, mas sempre costurou em casa para complementar a renda familiar. Em 2016, durante uma conversa com uma colega da igreja, ficou sabendo de um projeto social, que beneficiava as crianças carentes da região, e logo quis participar. Lembrou da própria infância e decidiu que queria que as crianças tivessem as bonecas que ela não teve.

Para reformar as bonecas velhas, começou a usar retalhos e tecidos, espumas para enchimento, laços e fitas, além de produtos de limpeza. Muitas coisas são doadas. Outras ficam por conta da costureira. "Neste ano, eu ganhei muito tecido. Eu tenho uma amiga que mora em São Paulo e ela trouxe muita coisa que me ajudou demais", conta.

Reformas começam em janeiro

A produção começa logo em janeiro. Em 2016, primeiro ano da produção, foram 18 bonecas reformadas e entregues. Em 2017, foram 43 e, no ano passado, o número de doações subiu para 101.

Para este Natal, dona Chiquita reformou mais de 200 bonecas. "Eu já peguei boneca no lixo e lavei. Neste ano, eu ganhei muita boneca bonita, mas o estado de conservação estava péssimo. Mas depois elas ficam todas bonitinhas", diz.

"Quanto mais feias as bonecas estão, mais ela quer fazer", conta a filha, Fernanda.

Líder do projeto social Resgate - Jovens em Missão, Carla Pimentel, 44, é a responsável pela entrega das bonecas e outros objetos para as crianças. Ela diz que, no ano passado, ao entregar um kit para uma adolescente de 12 anos, teve uma surpresa.

"Nós separamos as bonecas mais pela idade e, para uma das meninas, nós tínhamos colocado um joguinho no kit. Ela ficou em um canto e eu fui perguntar porque ela estava triste. Ela me respondeu: 'eu queria uma boneca, eu nunca tive uma boneca'. Eu tinha levado umas bonecas a mais e entreguei uma para ela", conta.

Dona Chiquita também vende algumas de suas bonecas para arrecadar dinheiro para seguir com as doações.

O Natal deste ano mal chegou, mas Chiquita diz que o de 2020 já está garantido. "Já recebi 18 bonecas para reformar para o ano que vem."