O adeus ao feminismo e a volta do feminino geram discussão entre especialistas
Profissão, marido, sexo, casa, filhos. São tantas as atribuições - e conquistas - que as mulheres modernas nem percebem como chegaram até aqui. E muito se deve ao movimento feminista, que agora é posto em xeque. Mas o que significa ser feminista? Essa é uma discussão que recheia as páginas do livro “Mulher sem Culpa” (Editora Gente), da norte-americana Carrie L. Lukas, que propõe uma conduta mais feminina e menos feminista no dia a dia.
“Mulheres precisam aprender a receber gentilezas, a confessar que gostam de ter homens provedores por perto, por exemplo. A maioria delas espera ter um marido generoso para constituir uma família estruturada. Outro dado curioso apontado em pesquisas é que são mais felizes aquelas que passam mais tempo com os filhos do que no trabalho”, diz a autora, que é bacharel em políticas públicas pela Universidade de Princeton, vice-presidente e diretora de políticas conservadoras e não partidárias do Independent Women’s Forum (IWF) e colunista do “Washington Post”.
Que o diga a representante de vendas Fernanda Gabrelon. A paulistana mudou completamente sua rotina de vida com a chegada de sua filha, Beatriz, hoje com quase 3 anos. “Não me arrependo de ter dado mais importância à vida pessoal que profissional. Hoje sou muito feliz passando mais tempo com minha filha e trabalhando menos”, enfatiza.
Equívocos
Homens e mulheres são mais parecidos do que se pensa, mas generalizamos características físicas e biológicas e criamos diferenças artificiais. Sou a favor de personalização, não da padronização
psicólogo Ailton Amélio da Silva, autor do livro “Relacionamento Amoroso"Para o psicólogo Ailton Amélio da Silva, autor do livro “Relacionamento Amoroso” (Editora Publifolha) algumas confusões foram feitas pelas feministas, e não só por elas. “Tinha-se a ideia de que os homens deviam deter o poder, o que nem sempre era verdade, e por conta disso foi cometida uma série de erros prejudiciais às mulheres, que não podiam votar e eram consideradas as ‘rainhas do lar’, em posição desvantajosa em relação ao homem”, explica o Amélio, doutor em psicologia e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ele, o feminismo tem muitos méritos, pois combateu essas expectativas com razão, mostrando que essa visão estava equivocada e que as mulheres são tão capazes quantos os homens. Mas todo radicalismo extremo cria um movimento pendular. “As feministas de hoje acabam errando por achar que precisariam copiar várias atitudes dos homens, enquanto, na verdade, o modelo masculino precisa ser depurado e avaliado”.
Amélio ainda detalha um ponto crucial: “A biologia impõe diferenças, inclusive funcionais, e existem muitas limitações físicas e comportamentais em ambos os sexos, que se tornam base de atração. Combater essas diferenças é lutar sem necessidade. Mas, quando o feminismo combate posições injustas, ele é, sim, benvindo”.
Feminismo x feminino
Como todo assunto polêmico, o conflito entre feminismo e feminino gera opiniões diferentes. “A feminilidade está na essência de cada mulher, cada uma tem o seu estilo, gosto e personalidade. Cada situação pede um tipo de mulher, existe a mulher mãe, a mulher esposa, a mulher profissional e todas têm o seu ar delicado e feminino de ser; assim como os homens - pai, marido e profissional”, diz Silmar Coelho, doutor em psicologia.
O estudioso defende o reflexo positivo da história: “A mulher evoluiu, modernizou-se, tornou-se independente e muitas acabaram virando grandes executivas e diretoras de grandes empresas. Com isso, o seu comportamento também mudou positivamente, ou seja, as mulheres, hoje, não são mais retraídas e não têm medo de ser feliz”.
Já para a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, uma mulher feminista nunca deixa de ser feminina. “Essa afirmação só pode ser feita por pessoas desinformadas que ignoram totalmente o que a mulher sofreu durante cinco mil anos, desde que o sistema patriarcal se instalou. Não concordo as ideias da autora do livro ‘Mulher sem Culpa’. Mas nada pode ofuscar a realidade de que as mudanças são irreversíveis. As novas gerações, filhos e filhas dos autores da revolução sexual e do movimento feminista demonstram, de forma inequívoca, que nada será como antes”. Leia na entrevista abaixo o que ela pensa sobre o assunto:
UOL Estilo Comportamento - O fato de a mulher aceitar gentilezas e galanteios pode afetar psicologicamente sua posição mais livre e independente?
Regina Navarro Lins - A mulher pode aceitar gentilezas de um homem da mesma forma que pode fazer gentilezas a ele. Ocorre o mesmo com os galanteios. Muita gente se refere ao sexo feminino como sexo frágil. Talvez porque, ao contrário do homem, que é estimulado a ser independente desde que nasce, a mulher geralmente não é criada para se defender e cuidar de si própria.
Isso é uma espécie de problema cultural?
Sim. Apesar de o movimento feminista ter feito com que grande parte das mulheres se rebelasse contra o eterno papel de donas de casa e mães, e as exigências práticas da vida não mais permitirem que elas se escondam sob a proteção do pai ou marido, para muitas a liberdade assusta. Elas foram ensinadas a acreditar que a mulher é frágil, com absoluta necessidade de proteção.
E como fica a relação homem e mulher?
Mulheres que se sentem capazes, com frequência temem desapontar as expectativas do homem. Como a combinação de sexualidade e competência nas mulheres parece ameaçar a virilidade dos homens, elas optam por esconder a sua autonomia e representar o papel feminino estereotipado. Assim, aceitam ter a função de um espelho que reflete o ideal e a fantasia do homem, sempre ajustando sua imagem de acordo com as necessidades e exigências dele.
Então você não concorda com a afirmação de que mulher é frágil?
O raciocínio é simples: a mulher acomodada aceita que todo homem com quem se relacione a proteja. A noção de cavalheirismo é crítica para as mulheres. Que tipo de homem deseja proteger uma mulher? Certamente não seria um que a vê como igual, que a encara como um par. Mas aquele que se sente superior a ela. E como disse a atriz americana Mae West em um dos seus filmes: “Todo homem que encontro quer me proteger... não posso imaginar do quê”.
Como podemos, então, encontrar o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal sem perder a feminilidade?
Acredito que masculino e feminino não existem. Mas de onde surgiu essa diferença tão profunda entre os sexos? É uma antiga e longa história - para outra entrevista. Na realidade, a diferença entre os sexos é anatômica e fisiológica, o resto é produto de cada cultura ou grupo social. Tanto o homem quanto a mulher podem ser fortes e fracos, corajosos e medrosos, agressivos e dóceis, passivos e ativos, dependendo do momento e das características que predominam em cada um, independentemente do sexo. Insistir em manter os conceitos de feminino e masculino é prejudicial a ambos os sexos por limitar as pessoas, aprisionando-as a estereótipos.
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