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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se políticos respeitassem mulheres, PL das fake news já teria sido aprovado

Colunista de Universa

04/05/2023 04h00

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É muito provável que alguma notícia ou post em rede social sobre o PL das fake news tenha chegado até você nos últimos dias. Proposto em 2020 pelo Senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o projeto de lei era mais focado no enfrentamento a notícias falsas, mas, com a tentativa de golpe de 8 de janeiro e os ataques às escolas que causaram mortes, especialmente de meninas e mulheres, o foco passou a ser o combate ao ódio e à articulação online de grupos violentos.

A votação seria na terça-feira (2), mas foi adiada. O texto ainda enfrenta resistência no Congresso, e o adiamento se deu porque, pelos cálculos dos políticos governistas, a favor do PL, não seria aprovado. Se houvesse, de fato, preocupação com a população feminina, essa lei já estaria em vigor. Para meninas e mulheres, essa lei é fundamental e urgente.

Primeiro por causa dos recentes ataques às escolas, que causam mais mortes de alunas, funcionárias e professoras, e são organizados em comunidades online. Logo, uma lei que determine que as plataformas de redes sociais não podem lucrar com a organização de neonazistas, algo que deveria ser óbvio, vai necessariamente incrementar a nossa segurança.

Salvar vidas deveria ser suficiente para que congressistas votassem pela aprovação de uma lei, mas caso ainda precisem de mais insumos, podemos olhar, por exemplo, para os dados de violência política de gênero contra candidatas mulheres nas eleições de 2022. Segundo dados da MonitorA, observatório de violência política do InternetLab, Revista AzMina e Núcleo Jornalismo, em apenas um semana, 97 mulheres que concorreram no ano passado receberam 4.500 ataques misóginos online.

Jornalistas também são alvo de ofensas e ameaças apenas por serem mulheres. De acordo com o relatório "O Jornalismo Frente às Redes de Ódio no Brasil", da organização Repórteres Sem Fronteiras, durante as eleições do ano passado mais de 3 milhões de ataques à imprensa foram registrados e, a cada dez jornalistas assediados, sete são mulheres.

A misoginia, infelizmente, está espalhada pela internet assim como fora dela. O PL mira exatamente consolidar a responsabilidade das plataformas pelo alcance e monetização de conteúdos, como de canais do YouTube, que são estruturalmente destinados a espalhar ódio contra nós, como os feito por redpillers ou homens que ensinam como violentar psicologicamente mulheres chamando isso de "arte da paquera".

Para que não restem dúvidas entre as pessoas que acompanham essa coluna: tudo isso que citei acima não é liberdade de expressão. Esse argumento não é absoluto e não pode ser usado como escudo para a difusão do ódio e da morte. Se as plataformas digitais escolhem construir negócios que funcionam no mundo todo, que têm bilhões de clientes e com lucros bilionários, elas precisam garantir, como qualquer outro fornecedor, a segurança do público consumidor brasileiro.

Não estão nem acima nem abaixo da lei. Se um pequeno empreeendedor precisa garantir, por exemplo, que seu cliente consiga saber de forma imediata que uma propaganda é uma propaganda, conforme artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, por que o Google, uma das empresas mais ricas da história da humanidade, não precisaria? Não faz sentido.

É bastante comum que empresas resistam à regulamentação. Ou você acha que a indústria do tabaco, que lucrou milhões com publicidades vendendo cigarro como um produto sensual e glamuroso, gostou quando foi proibida de fazer publicidade, de ser obrigada a estampar os riscos dos seus produtos em suas embalagens ou quando foi banida da publicidade de esportes? Certamente não, mas essas medidas reduziram significativamente o número de fumantes no mundo e, consequentemente, o número de pessoas que ficam doentes ou morrem por causa do tabaco.

Tenho certeza de que esse PL vai virar lei e que, daqui a uns anos, as pessoas expressarão tanto choque com a falta de regulamentação da internet quanto nós hoje, vendo imagens do passado como esta abaixo, uma propaganda de marca em que se lê que "médicos fumam Camels mais do que qualquer outro cigarro".