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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com Lula, 'família tradicional' deixará de ser foco do Ministério da Mulher

Presidente eleito, Lula já afirmou que vai voltar a investir em políticas para mulheres - Ricardo Stuckert/Divulgação
Presidente eleito, Lula já afirmou que vai voltar a investir em políticas para mulheres Imagem: Ricardo Stuckert/Divulgação

Colunista de Universa

03/11/2022 04h00

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Em 1º de janeiro de 2023, Lula (PT) inicia o seu mandato. Algumas informações sobre políticas públicas que pretende criar já foram antecipadas pelo presidente eleito, como a isenção do imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5.000, a renegociação de dívidas das famílias e o programa Empreende Brasil, por meio do qual o BNDES e a Caixa vão fornecer crédito a juros baixos para quem deseja iniciar ou ampliar seu pequeno negócio.

Lula prometeu ainda a criação de pelo menos três novos ministérios: dos Povos Originários, da Igualdade Social e o de Pequenas e Médias Empresas. Essas três novas pastas somadas às políticas públicas devem ter impacto gigantesco nas vidas das mulheres, uma vez que somos as mais atingidas pela desigualdade social, especialmente as mulheres negras e de povos originários, bem como as que podem ter mudanças mais estruturais em suas vidas com a promoção econômica de pequenos negócios e com a isenção de imposto, já que somos as que menos ganham no país.

Entretanto, o que chama atenção específica quando o assunto é mulher é o que vai acontecer com o atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Foi Lula que criou, em 2003, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, vinculada à Presidência da República. Em 2010, a pasta ganhou status de Ministério, contando com a médica Nilcéia Freire na liderança. Em 2015, foi incorporada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, o qual foi extinto em 2016 por Michel Temer.

De acordo com informações públicas, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres tinha três frentes de atuação: trabalho e autonomia econômica, enfrentamento à violência, e ações em áreas como saúde, educação e cultura. O órgão teve, por exemplo, papel essencial na criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha e na criação da Casa da Mulher Brasileira.

Entre 2016 e 2022, o orçamento destinado a políticas públicas para mulheres foi imensamente reduzido. Para se ter uma ideia, em 2019, o programa voltado ao enfrentamento à violência de gênero recebeu R$ 48,2 milhões de investimento, valor seis vezes menor do que em 2015. Para 2023, o governo Bolsonaro cortou 90% dessa já minúscula verba.

Considerando que o Brasil tem 109,4 milhões de mulheres segundo a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foi destinado R$ 0,047 por mulher no país. Todas nós, as 110 milhões de brasileiras, valemos menos que uma mansão de um dos filhos do presidente. Esse é o legado que deixa e ex-ministra Damares Alves, que no ano que vem volta à política como senadora.

Ela, com apoio explícito da futura ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, aparelhou a pasta para promover sua ideologia fundamentalista fundada na preservação incondicional da família tradicional, pouco se importando para o fato de que a manutenção dessa família poder estar condicionada à uma mulher ser espancada sem pedir ajudar ou a uma criança estar sob abuso sexual, apavorada por ser a culpada pelo fim da sua família caso peça socorro a alguém. O foco era sempre o modelo de homem, mulher e filhos vivendo em harmonia. Não se cogitava uniões homoafetivas nem mães solo.

Pelo que fica explícito pelo legado dos mandatos anteriores de Lula, a pasta das mulheres, a partir de 2023, vai abandonar a ideologia familista que a marcou na gestão de Bolsonaro e vai retornar o foco para a promoção da qualidade de vida e emancipação das mulheres com foco em segurança, renda digna, saúde, educação, igualdade e famílias diversas e efetivamente protegidas.

Devemos nos manter atentas e organizadas para garantir que demais assuntos, como a legalização do aborto, também sejam encaminhados. Embora Lula tenha acenado ser contra, também disse que esse é um assunto de saúde pública para segurança de mulheres pobres. Cabe a nós cobrar que exista, pelo menos, uma discussão sobre o assunto.

No Brasil, as pautas contemporâneas avançam no Supremo Tribunal Federal, como foi com o casamento homoafetivo, por exemplo, em 2011. Por isso, acredito que teremos uma excelente combinação de espaço e tempo para pressionarmos o STF para que decida sobre a ADPF 442, a ação de descriminalização do aborto que tramita desde 2017 na corte. Pelo menos não teremos um presidente que vai ameaçar a atuação da corte e inflamar seus seguidores para atacar aqueles que só querem prezar pelo debate.