Topo

Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Família Klein, das Casas Bahia: tendência para abusos é herança de família?

Philip com o pai, Saul Klein, na inauguração de uma casa noturna em SP em 2012: denúncias de violência contra mulheres chegaram à terceira geração da família - Leticia Moreira/ Folhapress
Philip com o pai, Saul Klein, na inauguração de uma casa noturna em SP em 2012: denúncias de violência contra mulheres chegaram à terceira geração da família Imagem: Leticia Moreira/ Folhapress

Colunista do UOL

01/09/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Foi revelado por Universa que Philip Klein, filho de Saul Klein, também responde à Justiça por práticas de violência contra mulheres bem similares, às vezes piores, às acusações que pairam sobre seu pai e seu avô, Samuel Klein, fundador das Casas Bahia. Os dois outros homens da família são alvo de denúncias relacionadas à exploração sexual, inclusive de crianças e adolescentes. Entre as denúncias contra Philip estão agressões físicas contra uma mulher com quem se relacionava, ameaças —inclusive usando uma tesoura— e perseguição.

Philip, em sua defesa, alega que a vítima "surtou" e que ele precisou se defender dela no episódio em que usou a tesoura. Ele já foi condenado em primeira instância, e a decisão foi confirmada pela segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agora, recorre ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O herdeiro também achou que era de bom tom, em um voo comercial de São Paulo para Natal, em dezembro de 2020, caminhar até uma poltrona ocupada por uma mulher desconhecida, retirar o seu pênis das calças e urinar do pescoço para baixo dessa mulher. Depois desse ato grotesco, voltou para sua poltrona e dormiu o sono na paz dos que contam com a impunidade. Ele foi preso em flagrante, mas solto mediante fiança e pagou R$ 55 mil de indenização à vítima.

Se as denúncias forem comprovadas, a conclusão é de que quando se cresce em uma família milionária e violenta com as mulheres, a herança é em dobro. Vem o dinheiro que paga por tudo e vem a cultura do estupro de achar que é normal violar corpos e espaços sempre que quiser, pois se é um homem branco e muito rico. Entretanto, embora ter crescido em uma família assim explique os comportamentos que constam nas acusações contra Philip, isso, definitivamente, não os justifica.

Um homem com acesso ao melhor que o dinheiro pode pagar inclui acesso à terapia ou psicanálise, tratamentos psiquiátricos que possam ser eventualmente necessários e, mais importante, educação para não repetir a funesta história de vida de outros homens da família. Entretanto, nesse caso, segundo as denúncias, parece que o herdeiro escolhe torrar sua fortuna com festas, drogas, álcool e viagens. Ele escolhe ser igual aos seus antepassados.

Para mim, é evidente o papel central do dinheiro na conduta de homens com muito poder. Eles sabem que a fortuna compra acesso a locais importantes e a pessoas importantes. Esse vínculo entre elite e poder vem de muito longe no país e fortalece a certeza, nos agressores, de que eles podem fazer o que quiserem, pois basta uma ligação para algum figurão público que eles continuarão suas vidas normalmente.

Infelizmente, eles não estão errados. As dinâmicas de poder presente entre eles e as vítimas —dinheiro, gênero e raça— realmente elimina o norte moral quanto às suas condutas. A masculinidade dominante sempre vai nos chocar, pois é uma constante autorização para que homens, especialmente os poderosos, façam as coisas mais bárbaras.

Essa masculinidade é o que explica alguém se sentir em paz para dormir tranquilamente após ter feito xixi em uma mulher em um voo, após ter arrastado uma mulher pelos cabelos, após agir como o mais vilão dos vilões de um filme. E essa autorização é tão distante do resto da sociedade que o que nos resta diante desses fatos é uma profunda incredulidade que só pode ser aplacada se acreditarmos que esses homens são malucos ou monstros.

Entretanto, eles não são. Eles são apenas homens, brancos, heterossexuais e ricos. Eles congregam dentro de um corpo só todos os marcadores de poder que lhes permite, sem qualquer crise ética e moral, subjugarem quem quiserem e a hora que quiserem. A nós mulheres, por exemplo, isso não parece ser nem possível de ser pensado, que dirá realizado. Mas, nunca se esqueça, eles não são monstros, eles são homens autorizados por outros homens a agirem de maneira imoral, criminosa e asquerosa. É isso que a masculinidade dominante cria. E o papel de destruí-la é apenas dos próprios homens. Ao trabalho, rapazes!