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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na guerra, mulheres pagam o preço da incapacidade masculina de governar

Mulheres com crianças fogem da guerra na Ucrânia - Reuters
Mulheres com crianças fogem da guerra na Ucrânia Imagem: Reuters

Colunista do UOL

03/03/2022 04h00

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Antes de mais nada, creio que seja importante deixar evidenciado que esta colunista tem um lado no atual conflito entre Rússia e Ucrânia: o lado do povo. Não há nada que me convença que essa guerra, ou qualquer outra guerra, faça sentido.

Guerras são o ápice mais asqueroso da política dominada pela masculinidade branca e ocidental na medida em que, por meio da morte e da destruição, servem ao enriquecimento de alguns, como os donos dos meios de produção de armas e munições (em geral, homens brancos ocidentais, conforme os quatro maiores exportadores de armas do mundo), e catapultam ao empobrecimento e à dor milhões de outras pessoas, normalmente em territórios longínquos.

É evidente que mulheres brancas ocidentais também podem agir de acordo com a estrutura dessa masculinidade dominante no sistema internacional e serem tomadoras de decisões violentas, embora ainda sejam a exceção da regra. Por isso, é importante assentarmos que não estou dizendo que determinados corpos são mais violentos do que outros por acaso da natureza, mas sim por causa da estrutura social. No caso, essa masculinidade que, em regra, é exercida por pessoas identificadas como homens, que é baseada na violência e na acumulação.

Entre aquelas pessoas para as quais as guerras são apenas sinônimo do terror, temos alguns grupos sociais. Os que são mais diretamente atingidos são os homens soldados, que morrem ou se ferem em batalhas e que podem carregar sequelas físicas e psíquicas por toda a vida. Minha solidariedade a todos eles.

E há todas as demais pessoas que, embora não estejam no front de batalha ou nas salas de tomadas de decisão, ou seja, que não têm qualquer poder direto de escolha sobre o que acontece, são profundamente impactadas pelo belicismo.

É nesse lugar de impotência à violência que se encontram a maior parte das mulheres em qualquer contexto de guerra. Acontece que não há, porém, um equilíbrio entre essa impotência e o impacto dos resultados das ações de guerra. Ou seja, embora nós não possamos decidir se uma bomba será ou não lançada em nossa vizinhança, não podemos decidir não lidar com os estilhaços. Eles se impõem.

Em um cenário de guerra, as mulheres são impactadas tanto em aspectos subjetivos como objetivos. Os primeiros são concretizados, apenas para listar alguns efeitos, na dor de se despedir do marido, do filho ou do pai sem qualquer garantia de seu retorno, pelo desespero com os riscos que esses homens estão correndo e por toda a angústia diária que essas ausências provocam, chegando ao luto por um ou alguns mortos.

Já nos aspectos mais objetivos, da materialidade da vida, as mulheres na zona de guerra enfrentam a probabilidade de crimes como o estupro que, nesse contexto, viola muitas vezes a ancestralidade e outras mulheres próximas. Além da violência física, também tem de lidar com destruição de suas casas, bairros e cidades, o exílio e a insegurança quanto à continuidade da vida educacional e social de suas crianças.

Se a guerra envolve um país onde não há combate e risco físico, as mulheres que ficam em casa sofrem com a perda de renda e a sobrecarga de responsabilidades como as únicas provedoras de renda, afeto, cuidado e segurança emocional para suas famílias.

Caso enlutadas por homens que morreram no front de batalha, essas mulheres tem que lidar com sofrimentos imensuráveis durante, muitas vezes, longos períodos. Isso quando não têm de lidar com homens embrutecidos e traumatizados, algo extremamente comum como se nota na larga proporção de veteranos com problemas psicológicos.

Expresso minha total e irrestrita solidariedade a todas essas mulheres covardemente atingidas pela incapacidade dialógica dos atuais homens ocupantes do poder. Homens que se sentem à vontade para colocar todo o mundo em aflição porque não foram capazes, durante décadas, de chegar a ou cumprir acordos de convivência e respeito.

É inegável que, durante períodos de guerra, quem mais morre e mais se fere são os homens. Mas um fato irrefletido é que quem está fazendo a matança também são homens. Convido-os, todos vocês, queridos leitores, a refletir sobre o poder e as tendências à violência e à falta de diálogo possível e a construírem outras formas de serem homens, para agirem sobre o mundo a partir de uma perspectiva de verdadeira igualdade entre todas as pessoas.

Agradeço à contribuição de Arthur Gonçalves, um internacionalista — e meu companheiro — com quem tenho expandido meus conhecimentos sobre as teorias feministas nas Relações Internacionais.