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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Brasil, governantes vivem relação de abuso com suas cidadãs

A ministra Damares, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, neste Dia Internacional da Mulher: Brasil não aderiu a ato pela defesa das mulheres  - Fabrice Coffrini / AFP
A ministra Damares, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, neste Dia Internacional da Mulher: Brasil não aderiu a ato pela defesa das mulheres Imagem: Fabrice Coffrini / AFP

Colunista de Universa

08/03/2021 11h29

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Em 2021, a participação das mulheres no mercado de trabalho é igual à de 1991, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Em janeiro de 2021, São Paulo registrou o maior número de casos de estupro em sete anos. Os índices de violência doméstica e de feminicídio aumentaram vertiginosamente em todo o país desde 2020. Um deputado é punido com suspensão, tem mantida sua remuneração e o funcionamento de seu gabinete, após ter importunado sexualmente outra parlamentar em pleno plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Diante de todo esse cenário devastador, o governo brasileiro optou por não aderir a uma declaração do Conselho de Direitos Humanos, assinada por mais de 60 países nesta segunda-feira, 8 de março, para marcar o Dia Internacional das Mulheres de 2021.

A resposta fácil para esses dados? A pandemia. A resposta complexa e verdadeira? A inação de autoridades públicas em projetarem e implementarem políticas públicas destinadas à proteção das mulheres - e, portanto, da infância, uma vez que são elas ainda as responsabilizadas pelos cuidados das crianças.

Há praticamente um ano sem escolas, mães estão sobrecarregadas. Obrigadas, diariamente, a fazerem escolhas de Sofia, tais como, continuar no trabalho e deixar seus filhos sob cuidados alheios, seja na escola ou nas casas de vizinhas, no auge da pandemia. Ou deixar seus postos de trabalho para que possam cuidar de suas crianças, perdendo sua renda em um cenário de altíssimo desemprego.

Qualquer governante que faça suas cidadãs sentirem que não têm escolha, que estão presas a uma situação de medo e esgotamento está mantendo com elas uma relação de abuso, especialmente se esse governante responsabiliza a tudo e a todos em um eterno 'comigo não morreu'

A maioria das mulheres conhece o discurso de que a culpa é de todo mundo, menos do homem abusador. Ele é uma grande vítima de pessoas que desejam seu mal e insucesso, que ela sim, que é louca, por esperar que ele se responsabilize pelos seus atos, que não tem nada que ele possa fazer para reparar danos porque, afinal, o que está feito está feito. "Quer que eu faça o quê?"

Pois bem, queremos que vocês, homens que hoje ocupam as cadeiras decisórias do Brasil, nos enxerguem com humanidade e aceitem, de uma vez por todas, que deixar 50% da população e da força de trabalho abandonada à própria sorte é desleal e ultrajante.

Queremos políticas públicas de incentivos fiscais a empresas que contratem mães. Políticas públicas de acolhimento socioeconômico para mulheres vítimas de violência doméstica, que garantam pleno acesso a nossos direitos e a nossa saúde reprodutiva. Queremos educação sexual nas escolas para prevenir e enfrentar a violência sexual na infância. Currículo escolar que ensine meninos que meninas não são objetos e que cuidar é responsabilidade humana, independentemente do gênero

Não somos guerreiras naturais que dão conta de tudo. Somos seres humanos com qualidades e defeitos, medos e alegrias, vontades e preguiças. Somos apenas pessoas normais que diante do desamparo público e social nos vimos obrigadas a traçar diversas estratégias de sobrevivência que nos roubam a liberdade de apenas viver acertando e errando. Nossos superpoderes de gestão e execução são fruto da opressão e ódio que sofremos diariamente.

Abandono esses poderes sem nem pensar duas vezes, não os quero.

Quero poder terminar um dia de trabalho sem me preocupar em pedir para meu companheiro cumprir alguma tarefa doméstica porque ele já a fez por sua própria conta, afinal, é sujeito vivente da mesma casa.

Quero enviar uma mensagem em um grupo de WhatsApp sem ouvir de volta que sou agressiva porque aponto contradições. Quero escuta aberta e disposição à mudança, a qual só virá com rearranjos de confortos, porque atualmente está bastante confortável para a masculinidade hegemônica e bastante desconfortável para nós

Acredito firmemente que a garantia e expansão dos direitos das mulheres é essencial para preservação da democracia e há uma expressiva quantidade de homens que não se importa com esse regime político. Mas a maioria delas ainda se importa e é a vocês que eu pergunto: já lavou a louça hoje? O pessoal é político e nós apenas queremos ser humanas.