Cristina Fibe

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Opinião

Num último suspiro desesperado, Robinho inverte os papéis e culpa vítima

Depois de dez anos de silêncio e fuga, o ex-ídolo do futebol Robinho resolveu, num último suspiro desesperado, expor o que seriam provas de que não cometeu o estupro coletivo de uma jovem de 23 anos, confirmado pela Justiça italiana.

Escapou da prisão na Itália e agora tenta driblar a cadeia no Brasil, manipulando a opinião pública para, por tabela, pressionar o Superior Tribunal de Justiça, que analisa a partir desta quarta-feira a homologação da sentença.

Mas não está mais em jogo se cometeu ou não o crime: isso, a Justiça italiana já comprovou, até a última instância. Então o que temos é um condenado pelo estupro coletivo de uma mulher vulnerável exibindo documentos que provam uma única coisa: Robinho não entendeu nada.

Numa tentativa de troca de papéis, ele pinta a vítima como aproveitadora e a si próprio como vítima — de uma suposta falsa acusação e de um sistema racista. "Ninguém sabe quantas vezes eu já chorei", ele diz.

Imagina o que ela já chorou, depois de ser violentada por seis homens quando, nas palavras da Justiça, não tinha condições de oferecer resistência.

Não fosse o fato de o Brasil inteiro ter acesso aos áudios em que Robinho gargalha e debocha da sobrevivente (ouça "Os Grampos de Robinho", podcast do UOL), essa narrativa teria altas chances de colar. Ele sabe disso.

Será que, como Cuca, Robinho vai precisar de mais três décadas para admitir a gravidade de seu crime e repudiar a violência contra a mulher? Quando o treinador fez isso, a menina violentada, infelizmente, já estava morta há mais de 20 anos. Não viveu para ouvir seu pedido de perdão.

Robinho, quando questionado sobre o que gostaria de dizer à vítima, dá a pior resposta possível: diz que só deve desculpas à sua amada esposa, a quem traiu e expôs publicamente.

À mulher estuprada ele não deve nada, a não ser questionar a sua palavra e insinuar que é mentirosa. A quem não entende o vocabulário da violência sexual, traduzo: a isso chamamos de revitimização. É uma nova agressão, que pode despertar tanto sofrimento quanto a primeira.

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Outra palavra importante sai distorcida da boca de Robinho: consentimento.

Num desserviço público, ele afirma que nada fez sem o "consentimento" da jovem, que não estava desacordada, não gritou e nem disse "para". O fato de ela não ter procurado ajuda imediatamente também comprovaria que nada houve.

Pois bem. Para que a interação sexual não se caracterize como crime, é preciso que a mulher possa dar o seu consentimento de forma livre e consciente. Mas o que é isso? Na ausência de definição legal, uso aqui a da rede americana Consent Awareness, que luta, como o nome diz, pela conscientização sobre o tema.

A organização afirma que o consentimento é a aprovação, ou a anuência, dada livremente, com conhecimento e informação, por uma pessoa com capacidade de discernir. A fundadora da rede, Joyce Short, explica que o consentimento só é válido na ausência de força, medo e fraude, e quando a mulher não está incapacitada de dizer sim ou não.

A promotora Silvia Chakian, do Ministério Público de São Paulo, acrescenta que "bater nessa tecla de que a vítima não falou 'não', não reagiu, não lutou, é absurdo, considerando as reações de uma vítima de estupro".

É uma tentativa de justificar, se defender alegando um padrão de comportamento da vítima, que precisa reagir gritando, lutando ou imediatamente denunciar, quando na verdade é perfeitamente compreensível essa demora para buscar ajuda. É conveniente reforçar esse mito da vítima que sofre violência e imediatamente aciona o sistema de justiça.
Silvia Chakian, do Ministério Público de São Paulo

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A promotora destaca ainda a tentativa de minimizar o sofrimento da mulher, argumentando que "foi tudo superficial e rápido": "É muito violento entender a dignidade sexual dessa maneira, como se ela pudesse ser violada com 'menos gravidade'."

As vítimas de violência sexual, que chegam a quase 1 milhão por ano só no Brasil, não têm padrão de comportamento nem de reação. Assim como o violador.

Estupradores não são monstros, estereótipo do qual Robinho tenta se afastar. São homens comuns, que entram sem aviso nas vidas das mulheres para traumatizá-las para sempre. São homens que precisam reconhecer o crime e pagar por ele.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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