O filho da turma que veio andando

Rincon Sapiência | Por Guilherme Tagiaroli, repórter de Tilt

O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma importante ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Tilt propôs, e 20 personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica gerada pela escravidão no Brasil (veja abaixo). Se você quer entender o papel da ferramenta genética e como o Estado brasileiro moeu memórias, leia o texto "Quando o DNA diz de onde vim", que dá início ao projeto documental Origens. Agora, é hora de elas contarem o que descobriram e de onde vieram. Com a palavra, Rincon Sapiência:

Sempre nos foi negado conhecer nossa origem, então vejo isso como uma reconexão, para mim e para os mais novos"

Este é um capítulo da série

Origens

Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?

O rapper e poeta Danilo Albert Ambrósio, o Rincon Sapiência, 35, cresceu sabendo pouco das diferentes origens que alimentam sua linhagem, como ele diz. A avó mineira tinha um biotipo, a mãe do interior paulista outro. O filho é bem diferente dele e ele é bem diferente do avô fluminense. "Tenho uma família preta, mas cada um com uma lata", explica. Ainda assim, há uma essência comum —e foi ela que mexeu com músico ao abrir o envelope do teste de DNA.

"Você começa a conectar histórias, a ver coisas da África e achar que são similares, né? Isso norteia a família sobre o laço que temos, independentemente da caminhada."

Seria simplista dizer que foram os detalhes genéticos que levaram a uma reconexão com os antepassados. Sua arte já é marcada por elementos africanos, como a batida de "Ponta de Lança (Verso Livre)", que lembra o ritmo angolano Kuduro, ou seu codinome "Manicongo", título usado por governantes do Congo. Mas o teste confirmou que existe esse laço forte, que desencadeou uma série de novos questionamentos.

A conexão é evidente, mas como saber mais sobre os caminhos que o levaram a São Paulo? "Sou um filho desse êxodo de pessoas que migraram de seus locais de origem. E calhou de eu nascer aqui", explica.

"O que mais me desperta a curiosidade são esses trajetos. Fico tentando entender: o que aconteceu [até eles se encontrarem], como as coisas se conectaram para serem como são hoje?"

Agora ligue o som, no canto superior direito.

Fora a própria cor, Rincon tinha poucos dados sobre os antepassados. Ouviu dizer, por exemplo, de um bisavô ou tataravô que veio de Cabo Verde. O avô abandonou o pai e fechou a porta para esta parte da família. De resto, só sabia que os outros formavam a "turma que veio andando", literalmente, fugindo da seca. Saiu da Bahia, passou por Minas Gerais e Espírito Santo, até chegar ao Rio de Janeiro e São Paulo, onde ele está hoje. Então, quando olhou para os povos nômades da África, lembrou da família andarilha e da mãe que levava o caçula junto em todos "os corres".

"Quem me conhece sabe que gosto muito de andar. Esse tipo de detalhe me desperta curiosidade: as pessoas da minha família andavam desde sempre, de repente é uma memória genética."

Foi importante para ele confirmar a ligação com países do Norte da África e estabelecer uma nova conexão com Uganda, mas o rapper conta que lamentou não ter mais detalhes sobre possíveis movimentos dentro da região, que é extensa e tem uma história diversa de ocupação. Curiosamente, ele tem uma das porcentagens mais altas de carga genética africana dentre todos os entrevistados.

"Tenho um globo e passei a observar as possíveis rotas. Durante um tempo, era tudo o mesmo reinado, então dá até para ter uma ideia de como foi este trajeto familiar."

Talvez não seja possível retraçar todo este caminho, mas Rincon vê os resultados como um farol que ilumina o passado e dá informações que ajudam a entender quem ele é hoje. "Isso pode aparecer na música, na personalidade, na forma de se posicionar, em várias questões... mas acima de tudo na vida", afirma. E nas roupas, claro. Ele reconhece que o estilo e a ligação com a moda foram cultivados ao lado da mãe costureira, que ensinou lhe sobre os tecidos que hoje o levam para os países africanos.

Tudo isso, acredita ele, será especialmente importante para seu filho, um jovem que já começa a vida tendo informações fundamentais sobre suas raízes, com noção de onde seus antepassados vieram e do seu papel nessa linhagem.

Testes de DNA:

  • Como o teste é feito: o DNA é coletado pela própria pessoa que esfrega uma haste flexível com algodão na parte de dentro da bochecha. Na sequência, este material deve ser enviado para a empresa;
  • O que o teste mostra: As empresas fornecem detalhes da ancestralidade, que pode retroceder de cinco a oito gerações, e pode mostrar a linhagem de pai e mãe ou até busca de parentes;
  • Quem oferece no Brasil: Genera, meuDNA (Mendelics) e MyHeritage;
  • Quanto custa: os testes variam de R$ 200 a R$ 500.

Publicado em 5 de maio de 2021.

Reportagem: Guilherme Tagiaroli

Coordenação e Edição: Fabiana Uchinaka e Helton Simões Gomes

Produção: Barbara Therrie

Arte: Deborah Faleiros

Fotos: Keiny Andrade

Este é um capítulo da série

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