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Como um jovem de 14 anos mudou o jeito de uma cidade dar aula online em SP

Kenay ajuda sua mãe, a professora Rejeane, a usar o sistema - Arquivo Pessoal
Kenay ajuda sua mãe, a professora Rejeane, a usar o sistema Imagem: Arquivo Pessoal

Felipe de Souza

Colaboração para Tilt, de Campinas (SP)

06/10/2020 04h00

Taquaral (SP) é pequena. Cortada pela rodovia Brigadeiro Faria Lima, a 85 km de Ribeirão Preto (SP), ela tem só 2,8 mil habitantes, uma escola municipal e uma estadual. A prefeitura não tem secretarias, mas "departamentos". Mas é da cidadezinha que vem um exemplo de criatividade e inteligência. Ali, um garoto de 14 anos mudou a forma de educar.

Desde que o governo estadual autorizou a retomada de aulas online, depois das férias de julho, computadores e celulares se tornaram essenciais para os estudantes aprenderem. Só que o processo não foi tão fácil quanto parecia. Kenay Francisco Camargo Caires percebeu que algo estava errado quando a mãe, a professora da escola municipal Rejeane Aparecida Camargo Caires, começou a tirar muitas fotos das atividades e mandar áudios no WhatsApp.

"Ela estava quebrando a cabeça todos os dias. Pegava o celular e ia lá tirar uma foto. Aí não ficava boa, apagava e tirava outra. Fazia vídeos, mandava tudo pelo WhatsApp", conta o aluno do 9º ano da rede estadual.

Ele estava certo. Há 17 anos lecionando, a professora admite que 'apanhou' da tecnologia. Mas não só ela. "Tenho 26 alunos em uma das salas. Criei o grupo para passar as atividades e tentar explicar alguns conteúdos, mas o retorno deles era muito baixo. Perdi noites em claro tentando descobrir o que fazer para trazê-los de volta", disse.

A diretora do departamento de educação, Micheli Barboza, reconhece a dificuldade. "Com a ausência de equipamentos e conectividade, o momento se tornou ainda mais desafiador para todos. A estratégia foi criar grupos no WhatsApp, mas faltava algo que aproximasse professor e aluno", ponderou.

Ideia em um clique de mouse

Primeiro, Kenay mostrou para a mãe o aplicativo Zoom, que permite fazer conexões simultâneas ao vivo. "Ela achou interesse, mas pensou que seria difícil para os alunos se conectarem e enviarem as lições", afirmou.

Depois, o estudante, que conhece um pouco de programação, modificou o sistema de login do aplicativo e ativou um que permite a gravação e publicação das aulas no YouTube. Assim, quem não conseguisse acompanhar ao vivo poderia ver depois. Também criou um canal para a mãe, acessível apenas com login e senha.

Fiz tudo na raça, pesquisando e fazendo as alterações necessárias
Kenay Francisco Camargo Caires, estudante

As modificações, na verdade, são permitidas nas plataformas. São algo como opções escondidas, bastando algum conhecimento para ativá-las.

Vontade de aprender

Um teste, dois testes, uma aula "só pra ter certeza", e o sistema foi 'aprovado' pela mãe menos de um mês depois da ideia inicial.

"A frequência das aulas aumentou, os alunos estão motivados. E o Kenay me ajuda até hoje: é ele quem programa as aulas, ajuda a gravar os vídeos para subir no YouTube", acrescenta a professora.

kenay - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O estudante Kenay Francisco Camargo Caires ensina a professora como usar o sistema de transmissão de aulas ao vivo que ele elaborou
Imagem: Arquivo Pessoal

O compartilhamento de conteúdo pelo WhatsApp continua, agora com links das transmissões e eventuais dúvidas. O aplicativo de mensagens virou "uma segunda tela" para a aula.

"Rejeane veio comentar comigo que o filho dela tinha desenvolvido um sistema que facilitaria as aulas online. Fizemos uma reunião com dois técnicos do departamento e outra para ele apresentar a proposta aos docentes", disse a diretora do departamento de educação. Após poucos dias, os 32 professores de Taquaral foram orientados sobre como usar a plataforma criada pelo adolescente de 14 anos.

"Não tem preço que pague ver os alunos ao vivo, com aqueles olhinhos brilhando, com vontade de aprender. Nós, professores, precisamos nos reinventar sempre. E, dessa vez, fizemos isso com louvor, e graças à ajuda do meu filho", completa Rejeane.

Responsável por mudar a forma como os docentes de sua cidade trabalham, o garoto já tem uma ideia definida do que quer fazer no futuro: programação ou algo ligado à tecnologia da informação.

Acostumada a só vê-lo jogar no computador, a mãe de Kenay ficou surpresa com o resultado. "Não sabia que ele estava também procurando algo para me ajudar". O jovem também não tinha noção dos desdobramentos de seu trabalho, mas ficou feliz com o resultado.

"Fiz sem pensar no que viria depois. Mas, hoje, vendo tudo isso, sinto um orgulho imenso", conclui Kenay.