Diogo Cortiz

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Opinião

Dinheiro gera mais poder: 4 pontos para entender a competição global de IA

A inteligência artificial vai definir os rumos da humanidade, e entender para onde estamos indo é estratégico para os cidadãos de todo o planeta, não só para pesquisadores, executivos, empreendedores e políticos.

São tantas as possibilidades, os assuntos e variáveis no universo de IA, que muitas vezes é difícil conseguir construir um panorama completo da tecnologia em uma só coluna. Mas, nesta semana, o relatório "Artificial Intelligence Index 2024" foi publicado, e não posso deixar de comentar a imensidão de dados que ele traz para ajudar a entender a realidade da tecnologia e como ela está sendo desenvolvida.

Mesmo com poucas edições, o relatório já virou uma referência. A cada nova versão, pesquisadores de IA veem como os ponteiros de diferentes indicadores se moveram de um ano para o outro. Selecionei os quatro pontos principais do documento de 2024 que estão conectados às minhas pesquisas e que acredito serem úteis para entender melhor o cenário global da IA.

Precisa de muito dinheiro para dominar a IA. Muito

A concentração de poder é um problema que eu sempre abordo nas minhas aulas e palestras sobre IA. Hoje, os principais sistemas estão concentrados em pouquíssimas organizações localizadas especialmente nos Estados Unidos.

Esse poder tem a ver com o ecossistema de dados e tráfego que as Big Tech já têm. Mas não só. Tem a ver também com grana, claro.

Nos últimos anos, o investimento em IA generativa foi turbinado por grandes expectativas e promessas. De 2022 para 2023, os investimentos cresceram quase oito vezes, alcançado investimento de US$ 25,2 bilhões.

As startups norte-americanas mais promissoras, como OpenAI, Anthropic, Hugging Face e Inflection, estão entre as que mais se beneficiaram com aportes financeiros substanciais.

Essa enxurrada de dinheiro é necessária porque o treinamento dos modelos está ficando cada vez mais caro. A competição acirrada força as empresas a buscarem modelos maiores e mais complexos para garantir boas posições nos principais rankings de desempenho de IA.

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Como consequência, o custo para treinar os modelos de IA mais avançados atingiu níveis sem precedentes. Estima-se que a OpenAI gastou por volta de US$ 78 milhões para treinar o GPT-4, enquanto o Google gastou US$ 191 milhões para treinar o Gemini Ultra.

Essas cifras exorbitantes são apenas o custo computacional. Podemos acrescentar ainda os custos para atrair e manter os melhores talentos de IA e a manutenção da IA rodando.

Quem no mundo consegue ter um ecossistema assim para entrar na fronteira do desenvolvimento da IA? Essa pergunta nos leva ao próximo tema.

A competição global tem um favorito, mas outros correm por fora

Os EUA dominam o investimento em IA. Mas qual a distância para o resto do mundo?

Em 2023, os investimentos em IA (não apenas IA generativa) nos EUA atingiram a marca de US$ 67,2 bilhões, quase nove vezes mais do que a China, segunda colocada em investimentos.

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Um ponto que me chamou atenção foi a posição da União Europeia na cena global da IA. Não é raro escutar — ou ler — que o progresso da IA está concentrado nos EUA e China, e que a Europa lidera a discussão apenas quando assunto é regulação.

Mas não é bem essa realidade que os dados descrevem.

Apesar da União Europeia estar atrás da China em investimentos, a região se posiciona em segundo lugar quando são avaliados os modelos que lideram nos rankings de IA. Em 2023, 61 modelos dos mais importantes tinham origem em instituições dos Estados Unidos, 21 da União Europeia e 15 da China.

O que explica essa tração na União Europeia é uma base de pesquisa bem estabelecida, inclusive com laboratórios de várias bigtechs espalhados pela região, o que fortalece o ecossistema de pesquisa e desenvolvimento. Outro fator importante é o movimento de código aberto, uma das grandes apostas na União Europeia. A startup francesa Mistral, por exemplo, é uma das grandes esperanças para diminuir a dependência dos EUA, que tem sua estratégia baseada em modelos de código aberto.

Por outro lado, a China domina a robótica industrial. O país ultrapassou o Japão em 2013 como o líder no uso de robôs usados para construir as fábricas — e produtos — do futuro. Naquele ano, a China tinha 20,8% das instalações globais de robôs industriais, atingindo 52,4% em 2022.

E o Brasil?

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Segue na periferia digital quando o tema é IA. No entanto, o Brasil tem alguns pontos positivos que podem ajudar a melhorar nossa situação, como os recursos humanos - sim, existem muita gente talentosa por aqui - e uma quantidade imensa de dados, especialmente quando falamos da língua portuguesa.

Mas ainda faltam pontos que são mandatários e estratégicos, como uma infraestrutura computacional adequada para o treinamento de grandes modelos, políticas de acesso a dados públicos e estratégias bem definidas. Eu debati isso com mais profundidade quando abordei sobre os pilares de IA que o Brasil deveria abordar durante a sua presidência no G20.

Indústria x Academia: quem gera mais conhecimento?

Outro tema relevante é a relação entre as empresas e as universidades para o desenvolvimento científico em IA. Enquanto o setor acadêmico contribui majoritariamente para as publicações sobre IA, com quase 81% dos artigos publicados, a contribuição cai drasticamente quando falamos dos modelos de IA.

Em 2023, a indústria foi responsável por desenvolver 51% dos modelos de IA, enquanto a academia ficou apenas com 15%. Outros 21% dos modelos foram resultados de colaborações entre as universidades e a academia.

Esses dados reforçam que esse cenário de alto custo para o treinamento de modelos torna proibitivo para que universidades desenvolvam modelos de ponta. Mesmo os institutos de elite nos Estados Unidos, como MIT, Harvard e Stanford carecem muitas vezes de uma infraestrutura e dependem de colaborações com as bigtechs, o que pode, no limite, comprometer a independência científica e acadêmica.

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Essa é uma configuração que preocupa até mesmo nos EUA. O Congresso americano apresentou no ano passado um projeto de lei chamado "Create AI Act" para criar uma infraestrutura que ofereça o poder computacional para as universidades terem autonomia em projetos de IA. Esse é um ponto que o Brasil precisa incorporar em sua estratégia.

A IA pode trazer muita produtividade para o seu dia a dia

No Brasil, temos esse desafio imenso para pensar o desenvolvimento da IA por aqui, porém podemos focar na adoção e uso da tecnologia para melhorar a nossa produtividade nas mais variadas tarefas.

De acordo com o relatório de Stanford, existem muitos estudos mostrando o impacto da IA no mercado de trabalho, demonstrando que as ferramentas disponíveis podem ajudar as pessoas a completarem suas atividades mais rapidamente e com mais qualidade. Muitos dos estudos demonstram também que a IA tem potencial para diminuir o abismo que existe entre os trabalhadores mais e menos qualificados enquanto aumenta as capacidades de ambos grupos.

As evidências são importantes para que possamos pensar no Brasil em políticas públicas de letramento em Inteligência Artificial no Brasil não apenas para promover o desenvolvimento da IA localmente, mas também para prepararmos a população para habilidades do futuro que, na verdade, já são necessárias hoje.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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