Fala que eu (não) te escuto

De Splash, em São Paulo

O Dia dos Surdos no Brasil é hoje. E como diria a música de Roberto Carlos: "todos estão surdos".

Pessoas com deficiências (auditiva, visual e outras) continuam sofrendo para acompanhar todo tipo de entretenimento e nós temos ignorado os obstáculos que a sociedade criou para elas.

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A televisão tem legendas de closed caption, mas a tecnologia é antiga e irritante (mesmo em TVs modernas de 8K).

Acha exagero? Veja um programa ao vivo com áudio mudo, dependendo só das legendas automáticas. O atraso e erros deixam boa parte do conteúdo incompreensível.

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Foto de anúncio da Globo em 1999 sobre ferramenta de closed captions em novelas
Imagem: reprodução/Globo/1999

Streaming é coisa do futuro, né? Mas nem sempre é acessível para cegos e surdos.

Na Netflix, quase todos os filmes têm áudio descrição em inglês, mas poucos têm em português - Marcos Lima, jornalista e youtuber do canal "Histórias de Cego"

Mas o pior cenário ainda é o do YouTube. A grande maioria dos youtubers não vê vantagem em legendar seu conteúdo (ou não tem tempo e dinheiro, já que nem todo youtuber tem equipe ou é milionário). Nesse caso, eles ficam mudos aos olhos de um surdo.

Felipe Neto é uma exceção: sua equipe disponibiliza legendas em todos os vídeos. Já Paola Carosella tem intérprete de libras em seu canal do YouTube. Mesmo assim, um cego precisaria de áudio descrição.

Se eu dependesse de áudio descrição para consumir TV e internet, não consumiria nada - Marcos Lima

Por isso, vale a pena ver também o conteúdo de youtubers com deficiência, tá? Muita coisa legal só precisa de espaço.

E o cinema (saudade) precisa de um "novo normal":

Legendas ajudam surdos, mas os cinemas mais baratos priorizam sessões dubladas.

Já entrou em vigor uma lei que determina que todas as salas de cinema do Brasil têm até janeiro de 2021 para oferecer recursos como áudio descrição e legendas descritivas.

cinema - Heath Korvola/Getty Images/DigitalVision - Heath Korvola/Getty Images/DigitalVision
Imagem de pipoca em poltrona vazia do cinema
Imagem: Heath Korvola/Getty Images/DigitalVision
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Áudio descrição deve ser de qualidade, coerente com a linguagem do filme e profissional. Se for só informativa, não vai passar a emoção da obra - Moira Braga, cega

Eles também amam produzir arte. Moira, 42 anos, é atriz, bailarina, professora, mãe e cega. O início como artista envolveu muito medo, mas ela se libertou e criou o espetáculo "Ventaneira":

A barreira interna que me desacreditava desabou. Arte é autoconhecimento

moira braga - divulgação - divulgação
Imagem da atriz Moira Braga em cena no teatro: cegos produzem e consomem entretenimento
Imagem: divulgação

As lives musicais, que ficaram extremamente famosas no começo da pandemia e perderam força com o passar dos meses, tiveram uma onda positiva: muitas tinham intérpretes de libras. A da Marília Mendonça dançou junto com ela.

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live marilia libras - reprodução/YouTube Marília Mendonça - reprodução/YouTube Marília Mendonça
Live de Marilia Mendonça teve intérprete de libras que dançava enquanto fazia os sinais
Imagem: reprodução/YouTube Marília Mendonça

Falando em música, Therezinha tem quase 90 anos, perdeu a audição na adolescência e, em 2018, passou horas olhando para uma vitrola que tocava Nelson Gonçalves. Mesmo sem ouvir "A Volta do Boêmio", ficou hipnotizada com a rotação do vinil. Ela inspirou este texto: é avó da repórter.

Eu canto aqui em casa as músicas que sinto saudade. Muita coisa faz falta. Não dá para ouvir, mas eu já fico feliz quando canto - Therezinha Silva

Ela não consegue mais reconhecer as músicas pelas vibrações sonoras.

Esse vídeo mostra como uma música da Miley Cyrus pode ser tocada para pessoas com deficiência auditiva. Dê play:

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E você pode achar que livros físicos são melhores do que e-books, mas há um bom motivo para respeitar essa tecnologia: alguns aparelhos têm leitura em áudio. Livros físicos são privilégios de quem enxerga.

A minha vida mudou muito porque amo ler. Todos os livros que leio são ebooks - Marcos Lima

Estamos longe do ideal, mas a tecnologia dá seus passinhos. O game "The Last of Us Part 2", de PlayStation 4, teve uma lista enorme de opções para cegos, surdos e pessoas com deficiência motora. Eles também enfrentam infectados parecidos com zumbis, mas não precisam enxergar ou ouvir para vencê-los.

the last of us 2 acessibilidade - reprodução/Naughty Dog/PS4 - reprodução/Naughty Dog/PS4
Imagem do jogo "The Last of Us Part 2" com as opções de acessibilidade no PS4
Imagem: reprodução/Naughty Dog/PS4

O game usa cores fortes para ajudar quem enxerga pouco. Quem não enxerga tem essas opções:

  • textos viram áudio
  • mira automática e auxílio no combate
  • sons mais nítidos
  • ajuda para mover o personagem
  • ficar invisível para os inimigos sempre que estiver agachado
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O cego Steve Saylor chorou:

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