Como a astrologia ficou tão pop?
E só se logar nas redes sociais e "scrollar" os feeds para encontrar uma infinidade de curiosidades astrológicas, das melhores combinações do horóscopo aos signos dos personagens de "Friends". O interesse pelo assunto vem se expandindo e com isso a orientação milenar (os registros mais antigos datam do terceiro milênio antes de Cristo!) também ganha novas formas de comunicação.
A astrologia é pop
Uma delas é justamente fazer uso da cultura pop para atrair um público não tão íntimo desse tipo de conhecimento, mas ainda assim (muito) disposto a consumi-lo. Foi o que fez Vítor diCastro ao criar o canal no Deboche Astral no YouTube, que já soma 1,23 milhão de assinantes. Nele, o ator e apresentador aborda o assunto com muita leveza —e deboche, claro.
Tá tudo bem se você não entende daquilo, a gente vai te guiar e fazer você rir enquanto aprende. E acredito que um outro forte atrativo é a responsabilidade que temos com nosso conteúdo, sempre embasado astrologicamente e com um humor leve, sadio, sem ofensas
Vítor diCastro, do canal Deboche Astral
Ele conta que mergulhou na astrologia ao descobrir que era "câncer com ascendente em câncer e lua em câncer".
Parece puxado, né?
Em 2016, Vítor decidiu produzir vídeos com material relacionado e em 2019 formalizou o canal como produtor de conteúdo, com apoio da renomada astróloga Tyfani Justo para os roteiros. Fino!
Percebi que nos divertíamos criando aquilo e que havia uma carência do público com relação ao assunto, que geralmente ou era abordado de maneira rasa demais, repetindo estereótipos e cometendo equívocos, ou abordado de maneira muito profunda, técnica, e pouco interessante para o público mais leigo
E não é de hoje que a astrologia flerta com linguagens menos convencionais. Deborah Worthington, presidente da Central Nacional de Astrologia, lembra ao Splash que desde que Alan Leo (1860-1917) inventou o horóscopo na década de 1930, na Inglaterra, sempre houve espaço para a chamada "astrologia pop".
Para muita gente, essa é a primeira forma de contato. A questão principal que se coloca no texto 'pop' é: até que ponto tem qualidade? A pessoa que escreve tem de fato domínio técnico? Qual a qualidade do texto? Quem avalia?
Deborah Worthington, presidente da Central Nacional de Astrologia
Afinal, com esse "boom" de conversas sobre astrologia, aumentam também as problematizações e descrenças em torno do tema. Por isso, é preciso entender que a astrologia se trata de um saber ancestral, cheio de particularidades e que vai muito além do horóscopo diário.
A gente te explica.
Isso de observar o céu como método para orientação vem desde a antiguidade e já desempenhou inúmeros papéis sociais, mantendo sua relevância na cultura e na espiritualidade. Registros históricos de 3.000 a.c. revelam a existência de uma mitologia astral que se conecta com a astrologia conhecida hoje.
Ou seja, não é de hoje, né?
Além disso, até o século 18, astrologia e astronomia partiam do mesmo ponto de análise. Com as descobertas científicas, ambas se distanciaram e enquanto uma adquiriu o status de ciência a outra foi direcionada ao misticismo. Mas virou bagunça, segundo a astróloga e jornalista Titi Vidal.
Resumindo e simplificando, astrologia é o estudo que considera a influência de corpos celestes sobre a vida e o comportamento sobre nós, os seres humanos, e sobre eventos terrestres, usando a posição e o movimento de estrelas, planetas, Sol e Lua para realização dessa leitura.
A partir de informações sobre o nascimento de uma pessoa, por exemplo, é possível ter um "retrato" de como estava o céu naquele momento e assim traçar um mapa astral. Uma espécie de esquema usado para apontar características conforme os signos aparecem associados a planetas e casas.
Como quando dizem que taurinos comem muito, ou que librianos são indecisos.
Todo mundo quer ser entendido
É dessa análise individualizada que o estudo começa a se tornar popular. Afinal, quem não busca explicações para ser como é, né? Titi Vidal, que tem uma ampla pesquisa relacionando astrologia e meios de comunicação e mídia, cita a existência de um formato similar aos horóscopos de hoje já a partir de 1880, em jornais e revistas, como uma das razões:
No Brasil, no começo do século passado, a astrologia já estava nos jornais, depois nas revistas e rádio e televisão. Fala-se em um boom de popularidade hoje, mas existiram muitos outros ao longo de todo século passado
Na TV, nomes como o de Márcia Fernandes, a SenseMarcia, astróloga do UOL, e de Walter Mercado (que acaba de ganhar um documentário, "Ligue Djá", na Netflix), ajudaram a construir o imaginário popular brasileiro sobre a astrologia. Além de programas diurnos voltados especialmente para o público feminino, como o "Mulheres", da Gazeta, que tinham um espaço para a previsão da semana.
Com a chegada da internet a astrologia já surge nos primeiros portais. Ainda segundo Vidal, quem deu o pontapé no Brasil foi justamente o UOL, que entrou no ar em 1996 e tinha uma seção chamada "Atração Astral", com foco em combinação de signos. A responsável era a astróloga Claudia Hollander.
De início, a astrologia foi pra internet como era antes. Os grandes portais tinham os mesmos horóscopos, combinações amorosas... O que trouxe bastante mudança foi que os astrólogos passaram a ter blogs e sites, e as redes sociais
Essa presença ampla permitiu maior profundidade e mais aceitação —principalmente do público jovem, como mostra uma pesquisa de 2018 do site Peoplestrology. Assim, um imaginário menos folclórico foi se moldando e a internet tem papel fundamental nisso, já que no rádio, TV e mídia impressa a astrologia era limitada.
A internet mudou o cenário. Ampliou em qualidade e quantidade. Quem tem acesso a ela lê em outros idiomas e pode comparar, ter acesso a pesquisas, debates, conferências? Logicamente existem várias vantagens na análise presencial. Mas a análise astrológica online é mais democrática
Deborah Worthington.
O surgimento dos aplicativos só aumentou o interesse pela astrologia.
Segundo pesquisa feita pelo Tinder, popular aplicativo de ~paquera~, as menções sobre os signos não param de crescer nos perfis dos usuários, especialmente entre os jovens de 18 a 25 anos. Esse grupo é 25% mais inclinado a deslizar para a direita (ou seja, dar "like" em alguém) quando sabe o signo do potencial match.
Além disso, períodos mais críticos da humanidade geralmente concentram uma procura maior pelo tema, como observado nos anos 1960 e 1970, após intensos conflitos e guerras no século 20.
Com a pandemia de covid-19 não é diferente. Deborah conta que tem percebido um crescimento na procura por atendimentos, assim como de terapias e de todas as formas de apoio psicoespirituais. Segundo ela, isso se deve às incertezas [por conta da atual situação:
"O mundo 'parou' deixando todos atônitos. Os astrólogos sabiam que algo grave estava a caminho e alguns estudiosos que acompanhavam os ciclos mundiais previam a pandemia. Mas o crescimento em si já vinha ocorrendo nos últimos 6 anos pelo menos".
Deborah Worthington
O "debochado" Vítor diCastro concorda com Deborah e acrescenta:
Há uma busca por outras explicações, que não as científicas, para tudo que nos acontece ultimamente, e com isso a astrologia parece um caminho possível
Se esse caminho puder ser preenchido com referências familiares daquele filme ou série favorito, mais interessante ainda. Acreditando ou não, a alternativa é válida para trazer um pouco de conforto a quem se dispõe à grande jornada que é o autoconhecimento - ainda mais em tempos tão confusos.