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Ricardo Feltrin

Análise: Sem motivo, Record ataca Marcelo Adnet após quadro no "Tá no Ar"

O humorista Marcelo Adnet. alvo de "editorial" publicado em site da Record. - Roberto Filho /Brazil News
O humorista Marcelo Adnet. alvo de "editorial" publicado em site da Record. Imagem: Roberto Filho /Brazil News

Colunista do UOL

15/04/2018 07h11Atualizada em 15/04/2018 09h10

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Um quadro da última edição do “Tá No Ar”, da Globo, causou revolta na Record e fez com que a emissora publicasse na semana passada em seu site uma espécie de editorial contra o humorista Marcelo Adnet.

O quadro que causou revolta foi exibido na terça-feira na Globo, e se chamava “Shark Temple”.

Tratou-se de uma paródia do famoso reality de negócios “Shark Tank”, que estreou em 2009 nos EUA e que hoje pode ser visto na TV paga, no canal Sony (foi exibido pela Band em 2017).

No reality tradicional, um grupo de empresários milionários assiste a apresentações de inventores e empreendedores, de gente comum que tenta vender uma parte de seus negócios a empresários ricaços (tubarões), para poder crescer.

Na paródia de Adnet, porém --que pode ser vista no serviço de streaming Globo Play--, o “empreendedor” era um religioso dono de uma igreja (daí o “temple” do título).

Entre outros argumentos de seu discurso, o religioso mostrava aos milionários (todos também caricatos, inclusive um príncipe árabe) como estava fazendo sucesso e cada vez mais milionário “vendendo ilusões, ou o impalpável” (a fé).

No final do quadro, os tubarões se interessam muito pelo “negócio”, mas descobrem horrorizados que o demonstrador não está lá para vender uma parte da sociedade, e sim comprar as empresas de todos eles.

A graça da paródia foi ainda maior porque ela copiou não só o formato, mas o cenário, a música e até os ângulos das tomadas das câmeras do "Shark Tank" original. Foi muito engraçado.

EDITORIAL

Cerca de 12 horas depois de o quadro ir ao ar na Globo, na terça, a Record publicou em seu site um texto sem assinatura, intitulado: “Em desespero, Adnet se vulgariza e promove o ódio.”

Entre outras coisas o texto aludia que “(...) o comediante virou uma caricatura, uma cópia pálida quase apagada do que poderia ter sido. Perdeu a graça, a verve, tentou formatos, piadas, mas nada, nada absolutamente deu certo”.

E acrescentava: “Em nome do humor e do que trata como liberdade de expressão, Adnet resolveu promover o ódio e a segregação, especialmente a de caráter religioso.”

Se o humorista citou a Record ou a Igreja Universal no quadro? De jeito nenhum.

Com enorme esforço seria possível vincular que no quadro que Adnet expunha o "negócio" aos tubarões havia uma pilha de dinheiro com uma pombinha branca em cima.

Bom, há uma pombinha branca no logotipo da Igreja Universal. E no de outras centenas de igrejas e entidades religiosas mundo afora, inclusive evangélicas.

Para forçar ainda a "ofensa", com muito esforço, atenção e um ótimo ouvido seria possível notar que o personagem de Adnet usava inflexões e sílabas agudas que são usadas normalmente por pregadores como Macedo..

É preciso lembrar que Adnet já ironizou, imitou e parodiou espíritas, umbandistas, católicos, políticos, atores, músicos, familiares, jornalistas e até mesmo anunciantes da TV Globo.

A reação da Record, porém, não foi novidade. Tem sido comum nos últimos anos.

A igreja e a emissora, em parceria, agem e já agiram assim contra jornalistas,  outros veículos e agora também contra o humor. Nem ele está mais a salvo dessa ira inexplicável e afetada.

O pior mesmo da "análise" da Record contra Marcelo Adnet é que ela simplesmente não se sustenta, pois ataca de forma forçada a um profissional que todo mundo sabe --e principalmente vê-- o quão brilhante é.

Para qualquer pessoa desarmada, a sátira foi genial. O texto do quadro apresentado na última terça no “Tá no Ar” é primoroso, sarcástico, mordaz. Raro de se ver na TV.

Especialmente o inesperado desfecho, em que Adnet “engole” os tubarões.

Se foi ofensivo? Só para quem já está predisposto e se forçar a sentir isso. Quem mistura por conta própria ficção e realidade.

O "Tá no Ar" não ofendeu a nenhuma igreja ou religião. e sim agraciou aos telespectadores com um humor fabuloso.

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