Sinéad enganou TV com criança brasileira antes de rasgar foto do papa

No dia 3 de outubro de 1992, Sinéad O'Connor chocou os Estados Unidos e o mundo ao rasgar, ao vivo, uma foto do papa João Paulo 2º no programa de televisão Saturday Night Live.

Em sua autobiografia "Rememberings", a cantora disse que conseguiu enganar a produção do programa usando uma foto de uma criança brasileira.

A artista cantava "War", de Bob Marley, quando rasgou a foto do papa. "Nós confiamos na vitória do bem sobre o mal", entoava ela, quando rasgou a foto do chefe da Igreja Católica. "Lute contra o verdadeiro inimigo", finalizou ela, encerrando a apresentação.

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O ato, em um dos programas mais antigos e relevantes da TV americana, causou revolta no país. Saindo dos estúdios naquela noite, Sinéad foi atacada com ovos. Dias depois, em uma apresentação, a cantora foi vaiada por grande parte da plateia. O ator Joe Pesci, ao apresentar o programa na semana seguinte, disse que "teria dado uma porrada" na artista, caso estivesse no estúdio naquele dia, e mostrou que havia consertado a foto com fita adesiva. Sinéad foi banida da emissora NBC para o resto da vida após o episódio.

Ela conta que a reação foi de "total silêncio" da plateia. O vice-presidente da emissora se lembra de pular da cadeira ao ver a cena e, entre a produção, houve uma confusão para cortar as câmeras e o sinal do programa. "Quando volto para os bastidores, não há ninguém. Todas as portas estão fechadas. Todos sumiram, inclusive meu empresário, que se trancou em seu quarto por três dias e desligou o telefone", escreveu ela.

Horas antes, Sinéad ensaiou a música no estúdio segurando a foto de uma criança brasileira em vez do papa. A imagem seria de uma criança morta pelos "esquadrões da morte" que, nos anos 90, exterminavam pessoas em situação de rua em capitais do país.

Eu peço para o câmera dar zoom na foto no momento da apresentação. Eu não conto a ele o que eu estou planejando para mais tarde. Todos estão felizes. Uma criança morta lá longe não é problema de ninguém. Sinéad O'Connor, no livro "Rememberings"

Por que Sinéad rasgou uma foto do papa?

Sinéad diz que estava protestando contra abusos sexuais na Igreja Católica. "Eu vi um artigo sobre famílias que estavam tentando registrar queixas contra a Igreja por abuso sexual e foram silenciadas. O trabalho de um artista às vezes é criar conversas difíceis e necessárias." Nove anos depois, o papa João Paulo 2º pediu desculpas pela primeira vez, por e-mail, pelos abusos da Igreja Católica na Oceania.

"Não era [contra] o homem, obviamente. Era a instituição e o símbolo da organização que ele representa. Na Irlanda, temos a maior incidência da Europa de abuso de crianças. Isso é resultado direto do fato de não terem contato com a história do povo irlandês e do fato de, nas escolas, os padres baterem 'pra caralh*' nas crianças por anos e abusá-las sexualmente", disse ela, em entrevista à revista Time um mês após a polêmica.

A própria Sinéad tinha uma história conflituosa com a Igreja Católica. Aos 15 anos, foi internada em um "asilo de Madalena", um tipo de instituição católica criada para acolher "mulheres perdidas". Lá, desenvolveu suas habilidades musicais, mas também sofreu com a disciplina imposta às residentes.

Segundo a cantora, a foto do papa pertencia à sua mãe, a quem Sinéad acusou de violência física, psicológica e sexual contra ela e os irmãos na infância. Ela diz que a imagem em questão ficava pendurada na parede da casa da mãe, que morreu em um acidente de carro aos 45 anos. "Aquela foto representava mentiras, mentirosos e abuso", disse.

Mesmo sofrendo retaliações, Sinéad não se arrependeu da atitude. "Muitas pessoas dizem ou pensam que rasgar a foto do papa destruiu minha carreira. Não acredito nisso. Sinto que ter uma música no topo das paradas destruiu minha carreira e rasgar aquela foto me colocou nos trilhos. Longe de destruir minha carreira, aquilo me colocou no caminho em que melhor me encaixava", escreveu a cantora. "Todos querem uma estrela do pop. Mas eu sou uma cantora de protesto", completou.