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OPINIÃO

BBB e Liga SP transformam racismo em espetáculo ao não punirem agressores

Cristian e presidente da X-9 protagonizaram casos de preconceito no BBB 23 e no Carnaval - Globoplay/Liga SP/Reprodução
Cristian e presidente da X-9 protagonizaram casos de preconceito no BBB 23 e no Carnaval Imagem: Globoplay/Liga SP/Reprodução

João Vieira

Colaboração para Splash, em São Paulo

24/02/2023 11h57

Em uma semana movimentada por manchetes de Carnaval e BBB 23 (Globo), dois acontecimentos chamaram a atenção por serem exemplos sólidos da total falta de seriedade com a qual crimes de racismo e intolerância religiosa são tratados no Brasil.

No primeiro caso, o presidente da X-9 Paulistana, Mestre Adamastor, proferiu falas de cunho racista em pleno sambódromo do Anhembi, logo no início do desfile de sua escola no Grupo de Acesso. O mandatário convocou membros da agremiação a fazerem o gesto do punho cerrado para, em seguida, desqualificar o ato, uma das mais expressivas formas de manifestação de luta e resistência da população preta contra o racismo.

"Sabe o que significa isso? P*rra nenhuma", disse ele, em plena homenagem à Dona Ivone Lara, das maiores e mais longevas vozes negras do Brasil. A X-9 divulgou um vídeo de Mestre Adamastor pedindo desculpas e disse que a fala foi mal compreendida. "Toda comunidade xisnoveana presente entendeu que ali a intenção era motivar os integrantes da escola e que não houve nenhuma relação com banalização ou racismo", diz a escola.

A Liga SP soltou nota de repúdio e prometeu medidas cabíveis. A escola, que desfilou normalmente mesmo com o racismo do presidente ecoando nos alto-falantes do sambódromo, se beneficiou da ausência das tais "medidas cabíveis" da organizadora do Carnaval paulistano e ainda teve seu lugar na apuração preservado, sendo "punida" somente por questões técnicas que culminaram com seu rebaixamento.

Já no Big Brother Brasil, os participantes Gustavo, Key Alves e Cristian protagonizaram mais um caso de intolerância religiosa e preconceito contra uma pessoa negra no reality, desqualificando um momento de fé de Fred Nicácio, que pertence ao culto de Ifá, vertente da religiosidade de matriz africana, e insinuando que ele estaria utilizando de tais "poderes misteriosos" para planejar o mal contra o trio.

O tema foi levado à casa por Tadeu Schmidt como bronca de escola e, mais uma vez, o BBB optou por expôr a vítima e colocá-la na posição de precisar explicar sua crença a seus companheiros, como se fosse necessário legitimar a religião para não ser alvo de intolerância.

Pior, Fred foi exposto sem sequer ter sido informado sobre o que estava acontecendo, algo que ele só foi descobrir, em partes, após o programa ao vivo.

Cristian recebeu sua "punição" do público e foi eliminado com toda a dignidade de mais um participante comum, como deverá acontecer em breve com Key e Gustavo.

No Brasil, assim como racismo, intolerância religiosa também é crime, com previsão de pena de reclusão de até cinco anos e multa. E isso não quer dizer que se esperasse que tanto o presidente da X-9 quanto o trio do BBB fossem levados direto para a cadeia no momento em que cometeram o ato, mas a normalidade com a qual se seguiram os dois eventos, validando a presença dos contraventores como integrantes legítimos do espetáculo, mostra a total falta de compromisso social com pautas voltadas a combater a intolerância ao que vem da cultura negra.

O caso do BBB 23 se coloca como ainda mais grave pela reincidência. Quatro anos atrás, o programa fez campeã e milionária uma participante que desferiu diversas falas racistas e intolerantes contra participantes negros dentro da casa. Paula Sperling venceu o BBB 19 sendo agraciada por um discurso do apresentador da época, Tiago Leifert, dizendo que "venceu o BBB quem teve a audácia de ser imperfeita". Tiago, que 1 ano antes havia dito a uma mulher negra que representatividade não importava, jamais foi repudiado pela direção do programa e deixou o posto por vontade própria dois anos depois.

No BBB 21, João Luiz teve seu cabelo black power ridicularizado pelo cantor Rodolffo, caso que só foi exposto porque a própria vítima teve a coragem de se manifestar durante o Jogo da Discórdia ao vivo no programa global. Já no BBB 22, Linn da Quebrada também foi alvo de intolerância religiosa e a solução encontrada pelo programa foi exatamente a mesma utilizada para solucionar o caso envolvendo Fred Nicácio.

A sequência de atos racistas e preconceituosos no reality mais assistido do Brasil joga luz na falta de compromisso do programa em combater tais atos com a responsabilidade necessária. Não é o "julgamento do público" que decide quem está certo e errado quando o debate envolve o cometimento de um crime. Como um tapa quase inofensivo, como o que Larissa deu em Fred, pode ser alvo de discussão sobre expulsão, e falas de cunho racista e intolerantes não?

Em um país destaque em queimar terreiros e agredir o povo de santo, como pode se aceitar o discurso de "falta de conhecimento" para justificar uma fala intolerante?

Tanto no BBB 23, quanto no Carnaval paulistano, as atitudes e suas consequências mostram o racismo e os preconceitos que se espalham a partir dele ganhando uma cadeira cativa no espetáculo, e ficando cada vez mais distante de serem tratados no lugar que merecem: o banco dos réus.

Outro lado

Splash procurou a Globo para comentar sobre o caso de intolerância religiosa no BBB 23 e a emissora enviou a seguinte nota:

A Globo respeita a diversidade e repudia com veemência qualquer tipo de intolerância e preconceito, em todas as suas formas, como foi pontuado por Tadeu Schmidt no BBB 23 no programa do dia 20 de fevereiro de 2023.

Já a Liga SP havia se pronunciado logo após as falas do presidente da X-9, em nota que pode ser lida a seguir:

Como organizadora de uma festa cuja identidade é essencialmente negra e enquanto representante do samba em São Paulo, a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo vem a público para se opor às falas de cunho racista, manifestadas por falta de conhecimento durante o início do desfile da X-9 Paulistana, no último domingo (19).

Um punho cerrado é um símbolo da luta antirracista, que expressa a unidade, a força e o orgulho do povo preto. A Liga-SP não compactua com a fala equivocada de um presidente, manifestada durante o Carnaval SP 2023, e vai tomar as medidas cabíveis internamente.

Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo

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