'Se falam hoje sobre racismo, é porque a Titia Glória tá aqui'

Primeira repórter negra da televisão brasileira, Glória Maria morreu hoje, no Rio de Janeiro. Em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em março do ano passado, ela deu uma declaração forte ao ser questionada se sentia pressão para se posicionar contra o racismo. Em resposta, a jornalista afirmou que o fato de ser quem é, por si só, já era um grande posicionamento.

Se muita gente hoje tá aí conseguindo falar sobre o racismo, é porque a Titia Glória tá aqui. Eu não tenho a pele mais clara, eu sou preta mesmo. Sou enquadrada naquela categoria preta. Então, eu acho que as pessoas primeiro têm que aprender de alma. O racismo está aí, existe e não vai acabar nem na geração cinco vezes depois da minha filha. A gente tem que aprender a usar a nossa alma, nossa inteligência, nossa cultura, para tentar acabar com ele da forma que a gente conseguir.
Glória Maria no Roda Viva

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Primeira brasileira a usar lei que punia racismo. Glória Maria fez história ao ser a primeira pessoa a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo como contravenção penal.

• Situação aconteceu em 1970, quando a jornalista foi impedida de entrar pela porta da frente de um hotel no Rio de Janeiro. Ela disse ter chamado a polícia e levou o gerente do hotel aos tribunais.
• A Lei 1.390, conhecida popularmente como Lei Afonso Arinos, foi sancionada em 1951 e foi a primeira determinação contra o racismo no Brasil.
• Norma tornava contravenção penal a discriminação racial -- discriminação por raça ou cor.
• Passou por alterações até ser criada a Lei 7.716, em 1989, que determina a pena de reclusão a quem tenha cometidos atos de discriminação.

Racismo durante a ditadura. Glória Maria foi chamada de "neguinha" pelo general João Figueiredo durante a ditadura militar no Brasil. Ela relembrou o episódio no programa Conversa com Bial, em 2020. A jornalista afirmou que quando o general chegava às entrevistas, ordenava:

Tira aquela 'neguinha' da Globo daqui'. E eu passei todo o governo Figueiredo ouvindo.
Glória Maria no Conversa com Bial

Preocupação com as filhas. Também durante a longa entrevista concedida no programa da TV Cultura, Glória Maria relatou que recebia ofensas racistas por carta no início da carreira. No entanto, atualmente, sua maior preocupação era com as filhas, Laura e Maria.

Ela relembrou duas ocasiões vividas pelas meninas. Um amigo disse que a cor de Laura era feia, enquanto outra criança chamou Maria de "macaca".

Isso não é uma questão de melhorar, porque isso vem da criança, vem da família.
Glória Maria no Roda Viva