Topo

'Novela tensa': autor de O Rei do Gado sofreu ameaças e incomodou políticos

Antônio Fagundes protagonizou a novela "O Rei do Gado" - Globo
Antônio Fagundes protagonizou a novela "O Rei do Gado" Imagem: Globo

De Splash, no Rio

11/11/2022 04h00

A novela "O Rei do Gado" está de volta às tardes da TV Globo no "Vale a Pena Ver de Novo". Exibida originalmente entre junho de 1996 e fevereiro de 1997, a trama rendeu ameaças ao autor Benedito Ruy Barbosa.

Foi a primeira vez que uma novela abordou a reforma agrária no campo brasileiro e o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra (MST). O tema ganhou ampla projeção nacional e desagradou fazendeiros.

Além disso, a novela estreou em um momento de tensão. Ela chegou ao ar apenas dois meses após o Massacre de Eldorado do Carajás, quando 21 trabalhadores sem terra morreram enquanto reivindicavam a desapropriação de uma fazenda e a implementação de ações para garantir a Reforma Agrária no Pará, segundo o MST.

Em depoimento ao livro, Benedito contou que, no auge da discussão sobre o MST, recebeu uma carta em casa, sem assinatura, em tom de ameaça: "Parabéns pelo que você arranjou. Sou fazendeiro e se aparecer alguém aqui como os de sua novela, aumento o muro três metros para ninguém sair mais".

Uma das cenas que revoltou os fazendeiros foi a morte do personagem senador Caxias (Carlos Vereza) — assassinado defendendo os sem-terra. Na época, o autor disse que a doença e a tensão causada pela questão fundiária o exauriram.

"Foi a novela mais tensa que já fiz. Primeiro, adoeci, tive problemas de coluna, e atrasei os capítulos. E, por estar mexendo com os sem-terra, sempre andei na corda bamba, tentando conduzir a trama sem criar atritos'', contou o autor em entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em janeiro de 1997.

"Houve muita incompreensão. Eu recebi cartas de sem-terra elogiando a novela, dizendo que iria ajudar a causa deles. E recebi também cartas de sem-terra achando ruim, porque estava pregando a não-invasão de propriedades produtivas. E, de outro lado, recebi muitas cartas de fazendeiros, dizendo que eu estava incentivando a invasão de terra, quando fiz o contrário", completou.

'O Rei do Gado" é um dos principais sucessos do autor Benedito Ruy Barbosa - Divulgação - Divulgação
'O Rei do Gado" é um dos principais sucessos do autor Benedito Ruy Barbosa
Imagem: Divulgação

Críticas de políticos

Benedito também recebeu críticas de políticos pela forma que representava o trabalho dos parlamentares. Na trama, o senador Caxias protagonizou uma das cenas mais emblemáticas ao fazer um discurso sobre os sem-terra para um plenário com apenas três colegas.

No dia seguinte em que foi ao ar, porém, o então senador Ney Suassuna (então PMDB, hoje Republicanos) criticou a abordagem da produção e classificou a cena como uma "distorção da realidade". De acordo com o Memória Globo, ele teria dito que a cena induzia a população a acreditar que não havia senadores honestos no Brasil.

A inclusão de temas sociais e políticos à novela global preocupou até mesmo Boni, o diretor criativo da emissora na época. O chefão ligou para o autor para saber o motivo de os sem-terra estarem na trama.

"Um dia, o Boni me ligou muito bravo porque eu coloquei os sem-terra na trama. Ele queria saber o porquê de não aparecer essa informação na sinopse", disse Benedito Ruy Barbosa em depoimento ao livro "Biografia da Televisão Brasileira" (2007).

Senador Caxias (Carlos Vereza) foi um dos personagens marcantes de "O Rei do Gado" - Reprodução/Globo - Reprodução/Globo
Senador Caxias (Carlos Vereza) foi um dos personagens marcantes de "O Rei do Gado"
Imagem: Reprodução/Globo

Como é a trama central?

"O Rei do Gado" mostra o romance do latifundiário pecuarista Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) com a boia-fria Luana (Patrícia Pillar), ambos descendentes de duas famílias de imigrantes italianos rivais, os Mezenga e os Berdinazzi, que fizeram fortuna no Brasil com criação de gado e plantações de café, respectivamente.

É a terceira vez que a trama é reprisada nas tardes da Globo. As outras duas exibições foram em 1999 e 2015.