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Segredos e 'agressão' a diretor: o que Alan Rickman pensava de Harry Potter

Alan Rickman interpretou Severo Snape nos oito filmes da saga "Harry Potter" - Warner Bros./Divulgação
Alan Rickman interpretou Severo Snape nos oito filmes da saga 'Harry Potter' Imagem: Warner Bros./Divulgação

De Splash, em São Paulo

29/09/2022 04h00

O que seria dos filmes de Harry Potter sem Severo Snape? O ardiloso professor de poções interpretado por Alan Rickman nos oito filmes da saga é um dos personagens essenciais para a evolução da trama, e foi por pouco que seu intérprete não foi trocado ao longo dos anos.

Morto em 2016, Rickman expressou seus sentimentos em relação à saga em seus diários, que serão publicados no livro "Madly, Deeply: The Diaries of Alan Rickman", com lançamento previsto para 18 de outubro. Em um trecho da obra divulgado pelo jornal The Guardian, o ator confessa que tinha certos receios em relação ao personagem, aos colegas de elenco e à condução da história.

O jornal conta que Alan andava sempre com um diário de bolso, desde 1972. Neste caderno, ele fazia anotações sobre reuniões, endereços e eventos. A partir de 1992, no entanto, começou a expandir o que escrevia nas páginas, e fazer registros sobre sua vida e sobre os personagens que interpretava.

Em uma anotação registrada em agosto de 2000, Rickman revelou que "sentia um pouco de nada sobre Harry Potter, o que me perturba bastante". Na época, ele já havia aceitado o papel de Snape, mas as filmagens do primeiro longa, lançado em 2001, ainda não haviam começado.

Em outubro daquele mesmo ano, ele teve conversas com a autora J.K. Rowling para entender melhor quem era o professor, e teria recebido dela algumas informações sobre o passado de Severo.

Durante os meses em que o primeiro longa-metragem era filmado, Rickman descrevia ocasionalmente os bastidores de uma ou outra cena que o encantava, assim como a relação com os colegas de elenco.

Em 4 de novembro de 2001, dia da pré-estreia de "Harry Potter e a Pedra Filosofal", ele escreveu uma crítica ácida:

O filme deveria ser visto apenas em uma tela grande, pois adquire a escala e a profundidade que combinam com a trilha medonha de John Williams. A festa depois foi mais divertida.
Alan Rickman, sobre 'Harry Potter e a Pedra Filosofal'

Quase desistência

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Maggie Smith e Alan Rickman em 'Harry Potter e a Câmara Secreta'
Imagem: Warner Bros./Divulgação

Em 2002, Alan tentou abandonar a saga depois das filmagens de "Harry Potter e a Câmara Secreta". Em 4 de dezembro, ele escreveu:

"Conversando com Paul Lyon-Maris [seu agente] sobre sair de HP, o que ele acredita que vai acontecer. Mas aqui estamos novamente em uma área de colisão de projetos. Reiterando, sem mais HP. Eles não querem ouvir."

Mesmo que o agente estivesse confiante de que a saída iria acontecer, Alan permaneceu e, no dia do início das filmagens de "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban", em 14 de abril de 2003, ele estava animado com o elenco, mas desgostoso com a história.

"Coisa de primeira, David Thewlis, Michael Gambon, Maggie Smith, Warwick Davis. Mais do mesmo, de verdade. Mas o que mais se pode esperar a não ser acertar as cenas — um coral, 300 crianças, um discurso, e pessoas lendo ao fundo."

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'Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban', dirigido por Alfonso Cuarón, recebeu elogios de Alan Rickman
Imagem: Warner Bros./Divulgação

Rickman também chegou a descrever algumas filmagens com Daniel Radcliffe, e confessou o que acreditava sobre o garoto: "Sério e focado, mas com um senso de diversão. Eu ainda não acho que ele seja um ator, mas ele sem dúvidas vai dirigir/produzir."

Mesmo assim, ele pareceu gostar do resultado.

"Alfonso [Cuarón, diretor] fez um trabalho extraordinário. É um filme crescido, cheio de audácia que me fez sorrir. Todos os quadros são o trabalho de um artista. Efeitos deslumbrantes que de alguma forma são parte da vida do filme, e não acrobacias alardeadas."

O que mudou?

Durante as filmagens de "O Cálice de Fogo" (2005), Alan escreveu estar se sentindo menosprezado, apesar "dos melhores motivos do [diretor] Mike Newell.". Em 13 de dezembro de 2004, o ator britânico escreveu: "Ele está sob forte pressão (como Alfonso), e tudo é sobre as cenas. Só conversamos sobre a cena e sobre o take 4."

Foi antes do quinto filme, "Harry Potter e a Ordem da Fênix" (2007), que a percepção de Rickman se transformou. Em 2005, ele foi diagnosticado com uma forma agressiva e rara de câncer de próstata, e a glândula precisou ser retirada em uma cirurgia no ano seguinte.

Então, em janeiro de 2006, ele escreveu nos diários sobre a decisão de permanecer com a franquia.

Finalmente, sim a HP 5. A sensação não é melhor nem pior. O argumento que ganha é aquele que diz: 'Vá até o fim. É a sua história'.
Alan Rickman sobre ter assinado para 'Harry Potter e a Ordem da Fênix'

O último adeus de Severo Snape

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Alan Rickman, Tom Felton, Emma Watson, Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Matthew Lewis posam na pré-estreia de 'Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2', em Nova York, em 2011
Imagem: Stephen Lovekin/Getty Images

Quando terminou a leitura de "Harry Potter e as Relíquias da Morte", Rickman sentiu que a morte de Snape nos livros era, para ele, um rito de passagem. Naquele ano, 2007, ele revela que uma breve informação que havia recebido de Rowling sete anos antes foi o que o ajudou a se agarrar à história. A informação de que Snape era apaixonado por Lílian, que foi dada pelo público apenas no último livro, já era conhecida pelo ator.

Mesmo assim, Rickman não parece ter ficado tão contente com a morte de Snape no filme. Ele descreve que o diretor David Yates insistia que Voldemort deveria matá-lo com um feitiço, o que considera "impossível de compreender, sem contar na resultante ira dos leitores".

Mais tarde no mesmo dia, em casa, Rickman descreve chegar a uma conclusão: "Ele não pode te matar com um feitiço — o único que faria isso é Avada Kedavra e te mata instantaneamente, e você não conseguiria terminar a cena.

Dois meses depois, em janeiro de 2010, Rickman gravaria a cena 305, do "último respiro de Severo Snape", com o trio protagonista. Sobre o reencontro, ele compartilhou um momento um pouco nostálgico:

Rickman - Warner Bros./Divulgação - Warner Bros./Divulgação
Snape teve morte que Alan Rickman considerou 'heróica' em 'Harry Potter e as Relíquias da Morte'
Imagem: Warner Bros./Divulgação

"Aqui estou eu com Dan, Emma e Rupert, 10 anos depois (...), sangue pela minha garganta de uma Nagini imaginária, os três parados com o semblante nervoso, ofegantes. É difícil lembrar de cenas em particular ao longo dos anos porque todas as decisões são tomadas em comitês, e não ali. Ouvimos enquanto [David Yates] nos diz o que estamos pensando e por que, e algo de criativo consegue entrar."

Já quando assistiu à versão final, Rickman revela ter sentido uma estranheza: "É desconfortável de se assistir — precisa mudar o sistema de repente para contar a história de Snape, e a câmera perde concentração. Mas a audiência estava bem feliz."

Crítico das adaptações

Apesar de ter se revelado fã do trabalho de Cuarón em "O Prisioneiro de Azkaban", Rickman mostrou-se mais crítico a respeito dos filmes seguintes, e discordou de várias decisões. Em julho de 2009, por exemplo, durante a pré-estreia de "Harry Potter e o Enigma do Príncipe" em Nova York, ele escreve que o resultado não foi de seu agrado.

"Festa no Museu de História Natural. O desejo de comer e pegar uma bebida só se compara à necessidade de bater as cabeças dos três Davids [os produtores David Heyman e David Barron e o diretor David Yates] contra a parede mais próxima. Eu entendo a evolução dos personagens e os efeitos embelezadores, mas cadê a história????"

Alan Rickman morreu em 14 de janeiro de 2016, em Londres, aos 69 anos, depois de uma batalha silenciosa contra câncer no pâncreas.