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'Nosso Sonho': filme sobre Claudinho e Buchecha será 'convite à alegria'

Juan Paiva e Lucas Penteado vivem Claudinho e Bucheca em cinebiografia - Angelica Goudinho
Juan Paiva e Lucas Penteado vivem Claudinho e Bucheca em cinebiografia Imagem: Angelica Goudinho

Mariana Assumpção

da Ingresso.com, no Rio de Janeiro

19/06/2022 04h00

"Nossa história vai virar cinema, e a gente vai passar em Hollywood": e aí, conseguiu cantar junto?

O trecho faz parte da canção "Coisa de Cinema", antigo sucesso na voz de Claudinho e Buchecha. Em 1999, ano de lançamento da música, os cantores eram um fenômeno nas rádios, programas de televisão e boates mundo a fora. Porém, mesmo com tanto sucesso, eles jamais imaginariam que, de fato, sua trajetória um dia chegaria às telonas.

Agora, mais de duas décadas após o lançamento desses versos, a "profecia" está prestes a se cumprir: "Nosso Sonho", cinebiografia dos precursores do funk melody carioca, está sendo rodada no Rio de Janeiro, e a Ingresso.com acompanhou uma diária das filmagens.

Na tarde da última terça-feira (7), o diretor Eduardo Albergaria nos contou que vai trazer a emocionante história da dupla para os cinemas, com a ajuda do próprio Buchecha, que colaborou intensamente com o argumento do roteiro, desenvolvido por Fernando Velasco.

Perguntamos a Eduardo o que o motivou a contar a história da dupla, e ele explicou não se tratar de "uma resposta simples":

"Começou com um desejo conceitual de falar sobre o Brasil. É um filme sobre o funk, sobre a periferia, e é um filme que, de alguma maneira, dá luz ou se contrapõe aos estigmas", inicia Albergaria. "Desde 2013, 2014, a gente vem buscando histórias que, de alguma maneira, possam iluminar um pouco o que a gente entende de Brasil. E a primeira questão parte de uma curiosidade: que país é esse? Onde a gente existe?", explica Eduardo. Para o cineasta, essa história real é uma oportunidade de investigar narrativas capazes de trazer alguma lição.

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Claudinho e Buchecha
Imagem: Divulgação

Criados em São Gonçalo, mais especificamente na favela do Salgueiro, Claudinho e Buchecha nasceram e cresceram na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Para o diretor, a origem dos cantores e suas composições, sempre alegres, criam uma oportunidade de apresentar a periferia brasileira sob uma nova ótica cinematográfica:

"Eu entendi que o cinema brasileiro já olhou para a periferia de diversas maneiras. A gente tem 'Cidade de Deus' e outros 'favela movies', e entendi que já era o momento de contar histórias que não histórias violentas, sabe? Começou um pouco daí. Eu sentia que o cinema brasileiro podia chegar na subjetividade da periferia. E aí pensamos na arte como mola propulsora de cidadania, de autoestima. Pensamos no funk e, para chegarmos no Claudinho e Buchecha, foi um pulo".

Em 2002, o Brasil acompanhou parte de um dos mais dolorosos capítulos dessa história: voltando de um show no interior de São Paulo, Claudinho e o então secretário da dupla se envolveram num grave acidente de automóvel. Ivan Manziele conduzia o veículo e sofreu ferimentos leves, mas o cantor, infelizmente, não resistiu e morreu no local.

O falecimento precoce de Claudinho, no auge do sucesso, será retratado no longa. No entanto, Eduardo garante que o roteiro não está limitado ao sucesso ou à trágica "catarse coletiva" que o país vivenciou - e que um único encontro com Buchecha definiu os rumos do projeto:

"Eu não quero ficar na superfície dessa história", conta, relembrando sua conversa com o cantor antes de colocar a ideia no papel. "'Eu sei que as pessoas têm um filme na cabeça, mas eu queria que você me contasse, a história é sua, você é um dos personagens'. E foi aí que aconteceu; aí que o filme se materializou. E o que eu posso dizer pra você é que não é a história que você conhece. Ela é ainda muito mais potente do que a história que todo mundo conhece", adianta Eduardo.

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Novo longa remonta a trajetória de Claudinho e Buchecha
Imagem: Angelica Goudinho

A difícil missão de interpretar os cantores fica a cargo de Lucas Penteado e Juan Paiva. A dupla, que trabalhou junta em "Malhação - Viva a Diferença", demonstrou um grande entrosamento no set, e a química entre os dois será, com toda certeza, refletida nas telonas.

Lucas, que após sua participação no reality show "Big Brother Brasil" pôde impactar mais pessoas com o seu talento e simpatia, dá vida a Claudinho. Durante a entrevista, brincou utilizando a voz e os trejeitos do personagem, o qual está imensamente honrado em interpretar:

"É um verdadeiro sonho. Nunca imaginei que eu poderia ter a oportunidade de fazer um produto tão importante para a história e trajetória da periferia na arte. Está sendo mágico", declara.

Quando Lucas nasceu, em 1996, Claudinho e Buchecha lançavam seu álbum de estreia. O funk mudou e se desenvolveu como ritmo e expressão cultural desde então, e o ator revela ter uma história bastante alinhada com a do movimento e com a de sua relevância social:

"O funk pra mim é vida, literalmente. Eu entendo o funk, desde criança, como uma das únicas artes musicais com as quais eu me identificava, até me identificar com o samba", explica Lucas, relembrando que sua família é uma das fundadoras da escola de samba paulista Vai-Vai.

"O funk era um dos únicos lugares onde a gente podia realmente se expressar, onde essa liberdade era realmente respeitada, e foi aonde a gente ganhou mais visibilidade falando sobre as questões da periferia. Claudinho e Buchecha são os pioneiros, um dos primeiros a trazer, a reclamar essa oportunidade, a dar visibilidade às questões periféricas. Só de colocar o nome das comunidades, falar delas nas suas músicas, as tira de um exílio, de um desconhecimento total por parte da população. E quando a gente fica sabendo que esses lugares existem, as pessoas que moram ali passam a existir também", conclui Lucas. Como artista ativista, ele declara que se sente totalmente representado pelo personagem.

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Cinebiografia de Claudinho e Buchecha está sendo rodada no Rio
Imagem: Angelica Goudinho

Buchecha será vivido por Juan Paiva que, assim como Lucas, também trilha uma carreira musical. Penteado já lançou alguns funks e raps, os quais cantou e compôs; já Juan, além de atuar como produtor musical, participou do programa The Masked Singer, na TV Globo, impressionando os jurados cantando sucessos de Pitty, Seu Jorge e muito outros.

Juan declara que estudou muito o jeito e a personalidade de Buchecha, com quem tem o privilégio de conviver enquanto o analisa: "Se eu ficar muito tempo te encarando, não se liga, não, negão!", brinca o ator, revelando um momento de descontração entre ele e seu personagem na vida real.

Juan também contou sobre o dia a dia no set, e o que os fãs da dupla podem esperar da história:

"O filme vai ter muitos altos e baixos. Tem muitos momentos de alegria, de tristeza, e a gente vem trabalhando muito nesse equilíbrio. Hoje a gente está filmando a cena do casamento do Buchecha, uma festa, muita alegria, e amanhã a gente já vai estar numa cena mais pesada. Eu até comentei com o Edu [diretor] e com o Léo [Leonardo Edde, produtor], que as cenas mais complexas, assim, emocionalmente, a gente já tá acabando de gravar, pra no finalzinho a gente terminar alegre", revela Juan, sabendo que as gravações serão concluídas nas próximas semanas.

Os talentos musicais de Juan e Lucas ajudaram os dois a encarar um outro desafio nos bastidores: ambos gravaram diversas músicas da dupla, em versões exclusivas para o longa. Pudemos ouvir uma delas durante as filmagens e garantimos: a semelhança com as vozes de Claudinho e Buchecha vai surpreender e emocionar os fãs.

Buchecha, parte essencial dessa história, também esteve presente no set, e demonstrou uma enorme alegria em pode acompanhar as gravações. Além de ser uma das principais fontes e referências do projeto, o cantor atua como coprodutor musical do longa.

Para ele, a trajetória da dupla é, de fato, cheia de profecias: "E que são retratadas, muitas das vezes, nas músicas". O cantor cita um trecho de "Fico Assim Sem Você", lançada em 2002, pouco antes do acidente do parceiro e amigo: "'Amor sem beijinho, Buchecha sem Claudinho'. Dois meses depois, infelizmente, o 'Buchecha sem Claudinho' aconteceu", lamenta.

"Mas a 'Coisa de Cinema' agora vai acontecer, né? Graças a Deus. E aí, são mini profecias. Essa coisa do 'Nosso Sonho Não Vai Terminar' [título do último álbum da dupla], e agora a gente tá vendo o nosso sonho aí, novamente. É o sonho não só da dupla, mas dos familiares e também dos fãs, que vão poder rever ou conhecer esse momento nas telonas".

Com carinho e saudosismo, o cantor relembra uma das intenções da dupla: a de levar alegria através da música. Ele ressaltou como esse sentimento está alinhado com o tom adotado pelo diretor em "Nosso Sonho":

"A arte te permite licença poética. E o que eu o Claudinho sempre priorizamos é que mesmo a gente sofresse preconceito, racismo e outros diversos problemas sociais, a gente entende que a música sobrepuja tudo isso, não é? A gente ouve Cartola, que passou tudo que a gente já passou e muito mais, porque ele viveu a Ditadura Militar e, no entanto, as músicas dele falam de amor. E falam de uma forma que alcança a nossa alma de uma tal maneira, que eu pensei: 'Cara, é isso que eu quero'.", revela o cantor.

"Então, a gente sempre teve esse cuidado, pensando em mostrar alegria, de cantar o amor, de mostrar que na comunidade 99,9% das faveladas e favelados são gente do bem. Gente que acorda cedo pra trabalhar e que, mesmo tendo dificuldades, faz do limão uma limonada e encontra um momento do dia pra sorrir. Esse é o retrato do verdadeiro Brasil, é o povo da comunidade. Então por que a gente só vai retratar as coisas ruins? Vamos falar também das coisas boas. E foi isso que eu e o Claudinho sempre priorizamos, e acho que o filme tem um pouco dessa missão, sabe?", explica.

Apesar de não ter participado das seletivas para o elenco, Buchecha está mais do que satisfeito com o desempenho dos protagonistas. Para ele, Juan acaba saindo na frente por ser um "carioca 'pra frentex'", tendo familiaridade com as gírias do Rio de Janeiro e o sotaque; já o paulista Lucas precisou trabalhar melhor a dicção. Ainda assim, segundo ele, os dois foram as escolhas perfeitas para os papéis:

"Ambos estão maravilhosos e, se eu pudesse dar uma nota de zero a dez, eu daria nota mil para os dois. Eu acho que eles vão mandar muito bem e a galera vai conseguir identificar a dupla ali, com certeza", conclui o cantor.

O elenco de "Nosso Sonho" ainda é formado por grandes nomes do cinema nacional, como Antônio Pitanga, Isabela Garcia e Nando Cunha, que interpreta Souza, pai de Buchecha. Lellê Landim, Clara Moneke e Tatiana Tiburcio também atuam como Rosana, Vanessa e Dona Etelma, a mãe de Buchecha, respectivamente.

A produção fica a cargo da Urca Filmes, com distribuição da Manequim Filmes. O longa tem previsão de estreia para 2023, ainda sem data definida para chegar aos cinemas.